Celebrando os 75 anos completados em setembro, Gal Costa lançou no dia 12 de fevereiro o disco Nenhuma Dor. No projeto, a cantora regrava clássicos de seu repertório em duetos com vozes masculinas.
Gal canta com os brasileiros Rubel, Tim Bernardes, Zeca Veloso, Zé Ibarra, Silva, Seu Jorge, Rodrigo Amarante, Criolo, com o uruguaio Jorge Drexler e o português António Zambujo. Com esses parceiros, ela reinventa clássicos da MPB como Baby, Pois É, Coração Vagabundo e Meu Bem, Meu Mal.
Realizado durante a pandemia, a concepção e direção geral do projeto é de Marcus Preto. O álbum foi gravado remotamente em diferentes localidades: Brasil, Estados Unidos, Espanha e Portugal.
Cada convidado fez parte da produção da própria faixa. Alguns deles tocaram instrumentos de base, que depois ganharam arranjos de cordas do músico Felipe Pacheco Ventura. Também teve artista que optou por fazer quase tudo sozinho, casos de Amarante e Tim.
Em entrevista a GZH, Gal falou sobre o novo disco, sobre a vida na pandemia, sobre política e as incertezas que o Brasil atravessa e sobre completar 75 anos. Confira:
Gal, como foi a construção de Nenhuma Dor? Como surgiu este projeto?
Era um projeto que chamava "Gal 75", que a gente tinha a intenção de fazer virar um disco. Marcus Preto teve a ideia antes da pandemia, mas ele foi concretizado mesmo durante a quarentena. Nós não tínhamos a intenção de transformar esse trabalho em algo de carreira. Foi um disco para trazer alegria para o público.
Por que você optou em fazer duetos só com cantores?
A escolha desses artistas foi exatamente porque eles se deixam influenciar pelo meu trabalho. Eu tenho uma grande influência de um homem, que é o João Gilberto, a estética do canto dele, a maneira como canta, sempre me atraiu muito. É muito legal ver que eles se inspiram em mim e têm influência no meu canto.
Como foi a seleção de parceiros para o dueto? Qual critério você utilizou para saber quem convidar para cada faixa?
Foi uma escolha feita a quatro mãos. A ideia e os convidados me foram trazidos pelo Marcus Preto, e recebi com muito carinho. Eu já conhecia o trabalho de todos eles, com alguns até já tinha trabalhado. O ponto central para a escolha foi que todos eles são influenciados pelo meu canto.
Como foi a seleção de repertório para esse disco? Que recorte de sua carreira você quis trazer neste trabalho?
A gente entendeu que nesse momento que estávamos vivendo era importante relançar músicas de catálogo. As pessoas estão tendo prazer em reviver algumas canções da minha geração porque é a memória de um tempo que era bom. A ideia inicial era regravar sucessos meus que não estavam nos dois shows mais recentes.
Há três faixas de Domingo (1967) em Nenhuma Dor: a própria faixa-título, Avarandado e Coração Vagabundo. Como esse disco ainda ressoa hoje em dia?
Esse disco é muito importante para mim, com certeza, foi meu primeiro trabalho com Caetano. São músicas que ultrapassaram a barreira do tempo. É um disco sempre jovial.
Em entrevista ao programa O Som do Vinil, você comentou que a sua relação com a música é espiritual. De que forma isso acontece?
A música é muito importante para mim porque me dá equilíbrio, me alimenta, é um bálsamo na minha vida. A música me curou e salvou muitas vezes.
Nenhuma Dor é um disco que você lança em meio à pandemia, ainda sem a possibilidade de realizar shows. Como tem sido o período da pandemia para você?
Eu normalmente sou muito caseira, claro que não me isolo e não me afasto das pessoas, mas sou mais de ficar em casa mesmo. Mas é difícil quando a gente se vê obrigado a ficar em casa. O único respiro que tive foi o momento de ir para o estúdio, com todos os cuidados, que me trouxe um alívio.
Como tem sido passar a pandemia com seu filho de 15 anos (Gabriel, que é adotado)?
Gabriel é um barato de garoto, sou louca por ele. É um menino maravilhoso com quem eu troco sempre. Ele sentiu falta de ir para a escola, sentiu falta dos amigos, mas ele sabe que é o momento de ficar em casa. Assistimos filmes e séries juntos, aprendemos coisas novas e aproveitamos a companhia um do outro.
Você sonha em ser avó algum dia?
Claro. Gostaria muito de ver os filhos do meu filho querido.
Há alguma lição que se possa tirar desse período? A pandemia pode transformar as pessoas para melhor ou trazer à tona o que já tínhamos de ruim?
Acho que aconteceu uma mudança de pensamento em muitas pessoas durante esse período, mas não toda a humanidade. A gente ainda vê muita aglomeração nas ruas, gente sem máscara, negando a ciência, nem todo mundo se preocupa. Temos de ter cuidado com o outro nesse momento, ouvir a ciência e ter paciência, solidariedade e compaixão.
Sentiu falta do Carnaval neste ano?
Eu sou mais quieta hoje em dia, já curti muito Carnaval de rua quando era mais nova, mas eu sou mais de assistir do que de brincar. Fiquei triste pelo cancelamento, claro, mas a gente não podia ter um Carnaval com essa pandemia.
Diante das notícias sobre a pandemia ou momentos de incertezas que o Brasil atravessa, o que você tem feito para ter paz?
Eu tenho muita fé e muita esperança. Gosto de pensar que ainda tenho muito tempo para fazer coisas ainda.
Como você avalia a atuação do governo brasileiro na pandemia, em especial, em relação ao setor cultural?
Primeiro de tudo, me incomoda muito a incompetência desse governo. É um governo com propostas erradas, contra a ciência, contra a cultura e que não percebe como isso afeta a vida de todo mundo. O governo do Bolsonaro ataca e quer banalizar a arte brasileira. Ele está sendo maléfico com a cultura do Brasil.
Você completou 75 anos e tem quase seis décadas de uma carreira exitosa. Há alguma coisa que você não fez e gostaria de fazer ainda? O que você ainda gostaria de conquistar?
Eu tenho sempre muitos projetos, quero fazer coisas ainda e não me sinto velha, tenho uma alma jovem e muita energia. Gosto muito de trabalhar e mais ainda do que faço. A música é muito importante para mim porque me dá equilíbrio. Eu vou trabalhar até quando eu puder, quero cantar até quando Deus quiser.
A mulher de 75 anos de hoje é diferente da mulher de 75 de antigamente?
No meu caso, eu sou todas as Gals. Não dá para desvincular uma da outra. É claro que a idade pesa, mas eu não me sinto com a idade que eu tenho. A única diferença da Gal mais nova para a de hoje é que mesmo continuando jovem espiritualmente, eu sou mais experiente. A maturidade me trouxe mais confiança, mais tranquilidade, mais serenidade.
Você sente que a sociedade julga as mulheres achando que há coisas que podem ou não podem fazer? Como responde a isso?
Não sei falar pelas outras mulheres, mas eu não me cobro nada. As coisas na minha vida acontecem naturalmente. Eu não me aprisiono a nada, não me sinto pressionada pela sociedade, vivo minha vida de forma natural. Acho que o mundo é menos machista do que foi no passado, e isso é uma conquista gradual que aos poucos o tempo vai transformar.
Quais são as suas perspectivas para 2021? Algum projeto para este ano?
Eu pretendo fazer shows deste disco, assim que estivermos todos vacinados e seguros. Agora é mais importante ter paciência, esperar e cuidar de si e dos outros.