Por Cristiano Bastos
Jornalista, autor das biografias “Júpiter Maçã: a Efervescente Vida & Obra” (Ed. Plus, 2018) e “Nelson Gonçalves: o Rei da Boemia” (Ed. Plus, 2019)
Vinte e cinco de fevereiro de 1971. Nos bastidores da BBC de Londres, Marc Bolan, homem, coração e cérebro a frente do grupo T-Rex, se prepara para debutar no programa Top of the Pops o single Hot Love, arrebatador sucesso daquela temporada.
Foi segundos antes de Bolan surgir nos televisores de milhares de lares ingleses que a publicitária Chelita Secunda teve a sacada que, num simples gesto, alteraria os rumos históricos e comportamentais do rock’n’roll. Sem avisá-lo, Chelita aplicou nos olhos do artista uma fina camada de rímel e, em cada uma de suas bochechas, salpicou-lhe respingos de glitter.
A despretensiosa aparição de Marc Bolan no Top of the Pops surtiu febris consequências sobre a imaginação de uma horda de juvenis telespectadores. Nascia assim, oficial e espontaneamente, o “glam rock”. Criação – e aqui cabe a reparação histórica – erroneamente atribuída a David Bowie, amigo-rival de Bolan, que, apenas no ano seguinte, sairia-se com o estrepitoso The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spider From Mars (Lady Stardust, aliás, uma das mais belas canções desse disco, é sobre Bolan).
O frisson deflagrado televisivamente com Hot Love foi coisa séria. Catapultou de vez Bolan à condição de “ídolo das multidões” no Reino Unido. Fenômeno tão marcante (e massivo) que conseguiu o respeitoso feito de ter preenchindo o vazio abissal deixado pelo fim da beatlemania – que tivera seu ocaso em 1970, ano da dissolução do Fab Four – com outro fenomeno de proporções igualmente monstruosas: a “T-Rextasy”. Dali em diante, nada mais seria o mesmo na dita “linha evolutiva do rock’n’roll”.
O passo seguinte da dominação arquitetada por Bolan – que contava apenas 23 anos à época – e seu produtor de longa data, o “mago” dos estúdios Tony Visconti, foi a concepção de um álbum que servisse como uma espécie de manifesto daquele levante propulsionado por guitarras elétricas, purpurina, nonsense, altas doses de erotismo e, de quebra, uma legião de histéricos fãs.
Há 50 anos, em março de 1971, o T-Rex entrava em estúdio para gravar o revolucionário Electric Warrior. No embalo quente de Hot Love, o disco, de imediato, galgou as paradas ancorado em grandes hits, como a infecciosa Get It On, Jeepster e Life’s a Gas.
Electric Warrior é o disco de cabeceira de nomes que, anos mais tarde, sucederiam Bolan na “troca da guarda” do glam rock, entre os quais Paul Weller (The Jam), Noel Gallagher (Oasis), Johnny Marr (Smiths), Siouxsie Sioux (Siouxsie and the Banshees) e Viv Albertine (The Slits).
Já de cara, a arte de capa, projetada pelo conceituado coletivo de design Hipgnosis, sumariza a maliciosa carta de intenções pretendida por Bolan (sua silhueta, capturada em contra-plongée, envolta numa aura de vibrante coloração amarela sobre um fundo negro), empunhando sua guitarra como se fosse uma arma – atrás dele repousa um corpulento amplificador.
Mambo Sun abre os trabalhos com manha e balanço absolutamente irresistíveis. De todas as canções de Electric Warrior, porém, a autobiográfica Cosmic Dancer (presente na trilha sonora do filme Billy Elliot), delicadamente ornada com arrepiantes arranjos de cordas, é a mais alegórica do disco.
Electric Warrior é o álbum no qual Bolan finca as bases do chamado “T-Rex Sound”, sonoridade que também demarca, em definitivo, seu álbum seguinte, o igualmente triunfante The Slider.
Musicalmente, em Electric Warrior há um propositado equilíbrio entre canções mais pesadas, dançantes e festivas com outras mais calmas, bluesy (Lean Woman Blues) e contemplativas (Girl). A ausência de pompa virtuosística, por parte de Marc Bolan, outro fator importante, fez com que ele ganhesse, na Inglaterra, o epíteto de “The Godfather of Punk”, influenciando grupos como The Damned e Sex Pistols. As letras de Bolan, por outro lado, às vezes soam como canções de ninar, à medida que, em outras, ele imprime surrealístico nonsense. Como nos gloriosos versos de Jeepster: “Just like a car/ You’re pleasing to behold/ I’ll call you Jaguar/ If I may be so bold”.
No final, é essa sensação de diversão, combinada com uma artilharia de irresistíveis e ganchudas canções, alicerçadas em mortíferos riffs, que, meio século depois, preservam Marc Bolan e sua obra-prima Electric Warrior, até hoje, impecavelmente tão contagiantes quanto revigorantes. Frescor, diga-se de passagem, sem prazo de validade para acabar. Um elétrico elixir da eterna juventude para as novas gerações.