Ninguém exemplifica melhor o que é a superação por meio da música do que João Carlos Martins. Solista de carreira internacional que trocou o piano pela regência devido a acidentes que limitaram o movimento das mãos, ele trabalha há 15 anos com a Bachiana Filarmônica Sesi-SP.
É com esse conjunto que apresenta nesta sexta (8), em Porto Alegre, o espetáculo João Carlos Martins e o Cinema in Concert, dedicado a trilhas sonoras de filmes como O Poderoso Chefão (1972), Cinema Paradiso (1988) e Titanic (1997), com cenas projetadas em um telão. O espetáculo terá a participação da soprano Anna Beatriz Gomes e do tenor Jean William. Nesta entrevista, Martins – que completará 80 anos em 2020 — fala sobre música, cinema e a experiência de usar um aparelho que lhe permite dedilhar o piano.
O programa do concerto é bastante eclético. Como o repertório foi selecionado?
Se a Filarmônica de Nova York faz um concerto com trilhas de cinema, por que não fazer isso no Brasil? Não podia ter um concerto sem músicas de John Williams, Nino Rota e Ennio Morricone. Fizemos uma pesquisa caseira com músicos e pessoas ligadas ao cinema para chegar à lista final. É um concerto para mostrar que a sétima arte e a música estão unidas e, antes de tudo, para mostrar que só existe um tipo de música, que é a música de bom gosto. O contrário da vida não é a morte, é a repetição. Se não tivermos inovação, não chegamos a lugar nenhum.
Qual foi a primeira trilha sonora que lhe fascinou?
Eu já não era tão criança assim. Foi Raindrops Keep Falling on My Head, do Burt Bacharach (e Hal David), do filme Butch Cassidy (1969). Fiquei profundamente fascinado pela sofisticação que ele imprimiu à música. Como pianista, eu só pensava em tocar Bach, não era muito ligado na sétima arte. Quando comecei a abrir um pouco minha cabeça, pelos 30 e poucos anos, a primeira coisa que me marcou foi o Burt.
Como o senhor vê o seu desenvolvimento como maestro?
Exceto as trilhas, rejo tudo de memória. Já decorei mais de 200 peças. A primeira coisa que tive de aprender foi o ABC de cada naipe da orquestra. É preciso saber o que é e o que não é possível fazer com cada instrumento e até que ponto cada instrumento pode reagir às suas intenções. Hoje, faço cerca de 200 concertos por ano.
Como está sendo a experiência com seu perfil no Instagram?
Você não era nascido quando, em 1958, eu já fazia carreira nos Estados Unidos. Estamos colocando vídeos históricos de quando estive em Londres, Moscou e Paris para o pessoal saber como eu tocava piano. Hoje (segunda-feira, 4 de novembro), entrou um vídeo meu usando uma mão mecânica que fizeram para eu poder colocar todos os dedos no teclado. Claro que o perfil tem poucos seguidores, pois estamos falando de música clássica, mas são mais de 120 mil seguidores fiéis, não tem nada de robô. A cada três dias, colocamos algum conteúdo.
Comente um pouco mais sobre o vídeo em que o senhor aparece dedilhando o piano com a luva mecânica.
Um designer de produtos criou essa mão mecânica para mim. Caso contrário, só posso tocar com os polegares, mas dessa forma eu consigo encostar os 10 dedos no teclado. Se vou conseguir de fato tocar, não sei, não prometo nada. Mas vou fazer 80 anos (em 2020), e se eu não tentar... Com essa mão, posso ter pelo menos uma distração ao lado do meu velho companheiro durante umas duas horas por dia. Nunca quero abandoná-lo. Enquanto isso, continuo tocando com os dois polegares, como fiz acompanhando a Maria Bethânia (um trecho em vídeo também foi postado no Instagram).
A superação é uma ideia forte em sua trajetória. Onde o senhor busca força?
Já fiz 24 operações. Na hora em que vou fechar o olho na anestesia, penso: “Amanhã vai ser um dia melhor”.
João Carlos Martins e o Cinema in Concert
- Sexta (8), às 21h.
- Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), na Capital.
- Ingressos de R$ 144 a R$ 252 (solidário, com doação de 1kg de alimento não perecível) no site uhuu.com, no Teatro do Bourbon Country e, no dia da apresentação, a partir das 16h, no Araújo Vianna.
- Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante, limitado a cem ingressos, e de 10% para os demais sócios.