Na introdução da faixa Cananéia, Iguape e Ilha Comprida, Emicida conversa com sua filha Teresa, nascida em junho de 2018. Ele sustenta que "o chacoalho tem que ser tocado com vontade", mas recebe uma deliciosa risada de bebê como resposta. O rapper avisa: "Sem risadinha porque aqui é o rap, mano. Onde o povo é bravo entendeu? O povo é mau". Em seguida, Emicida reflete sobre a necessidade de transmitir uma imagem combativa: "Será que o Brown passa por isso? Ou o Djonga? Ou o Rael? Sei lá meu, aqui os cara é mau". Encerrado diálogo, ele abre a música cantando "Do fundo do meu coração/ Do mais profundo canto em meu interior/ Pro mundo em decomposição/ Escrevo como quem manda cartas de amor".
Esse início de Cananéia, Iguape e Ilha Comprida pode ser visto como um resumo de AmarElo, terceiro álbum de estúdio de Emicida, que foi lançado no final de outubro e está disponível nas plataformas digitais. Com uma sonoridade mais suave e menos agressiva em comparação com seus projetos anteriores, o disco equivale a uma carta de resistência através do amor para uma período sombrio.
Isso pode ser visto em Pequenas Alegrias da Vida Adulta, que menciona vitórias do cotidiano ("Emendar um feriado nesses litorais/ Encontrar uma tupperware que a tampa ainda encaixa (...) Triunfo hoje pra mim é o azul no boletim/ Uma boa promoção de fraldas nessas drogarias"). Se antes Emicida procurava apresentar rimas que batessem como um soco, agora ele também pode impactar com afeto.
Na mesma linha, Ordem Natural das Coisas celebra o cotidiano de suburbanos e invisíveis que acordam cedo para fazer seus sonhos virarem realidade ("A merendeira desce, o ônibus sai/ Dona Maria já se foi, só depois é que o sol nasce"). É uma canção que indica a serenidade como estratégia de sobrevivência.
Ao lado de Zeca Pagodinho, Emicida canta sobre a amizade em Quem Tem Um Amigo (Tem Tudo). Com participação de Majur e Pabllo Vittar, a faixa-título do disco traz sample de Belchior (Sujeito de Sorte) para falar sobre depressão com um viés redentor ("Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes/ Elas são coadjuvantes, não, melhor, figurantes/ Que nem devia tá aqui").
As questões sociais e raciais também estão presentes em AmarElo. Ismália conta com a atriz Fernanda Montenegro lendo o poema de mesmo nome de Alphonsus de Guimaraens e reflete sobre racismo.
Eminência Parda, com participação de Dona Onete, destaca o poder negro ("A missão é recuperar/ Cooperar e empoderar(...) Mas preto não chora, mano, levanta/ Não implora, penhora a bandeira branca").
Em AmarElo, Emicida propõe olhar além das adversidades, reforçando a necessidade de se conectar à positividade em momentos densos. Como bem definiu o rapper Rashid no Twitter, é uma "positividade inconformada, rebeldia otimista". O disco também pode ser lido como uma ode ao afeto, que em tempos de tensões constantes, não deixa de ser uma produção corajosa.
Mais lançamentos
Bel_Medula experimental
Assinando como Bel_Medula, Isabel Nogueira lança o álbum duplo PeleOsso nas plataformas digitais e ao vivo, nesta quinta-feira (21), às 21h, na galeria La Photo (Travessa da Paz, 44). É a reunião de dois trabalhos: Pele, no qual Isabel ganha o reforço de Luciano Zanatta, Bruno Vargas e João Pedro Cé; e Osso, projeto solo baseado em batidas eletrônicas, sintetizadores e poesias de Bel, Daniela Delias e Hilda Hilst. No show, Isabel terá a companhia dos parceiros de Pele e de Gabriela Lery, Gutcha Ramil e André Brasil. Os ingressos custam R$ 40 no Sympla e na hora.
Grooves do Muralha Trio
Dois ex-integrantes da Pata de Elefante, o baixista Edu Meirelles e o baterista Gustavo Telles, se uniram a outra fera da cena instrumental gaúcha, o tecladista Murilo Moura, no Muralha Trio. O grupo, que tem feito shows desde 2017, lançou seu primeiro EP, homônimo, neste mês. As três faixas do disco – Contramão da Multidão, Efeito Dominó e Super Moon – são um encontro instrumental e dançante de música brasileira, soul, funk, blues e jazz. Gravadas e mixadas no Estúdio Marmitta e remasterizadas no estúdio Abbey Road, em Londres, as músicas já estão disponíveis nas plataformas digitais.
Kumpinski em voo solo
Depois de 15 anos como compositor e vocalista da banda Apanhador Só, Alexandre Kumpinski dá o primeiro passo na carreira solo com o lançamento de Cartilagem, single que estará no seu primeiro disco, previsto para abril. Composta em parceria com Lúcia Tietboehl e Danichi Mizoguchi, a música é um samba-rock atualizado com recursos eletrônicos e poderá ser ouvida nas plataformas de streaming a partir desta quinta-feira ou ao vivo no dia 12 de dezembro, em show no Museu do Trabalho.