Em uma década à frente da Orquestra Jovem do Rio Grande do Sul, Telmo Jaconi imprimiu ao projeto muito de sua filosofia de vida. O esforço e a busca pelo reconhecimento são marcas do maestro e violinista que foi por 30 anos spalla (o primeiro violino da formação) da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa)
Nascido em 1949 em Montenegro e criado em Porto Alegre, Telmo desenvolveu-se em uma família pobre, onde pai e mãe reservavam as noites para ouvir música e tocar instrumentos. Aprendeu violino aos oito anos e passou a se apresentar em programas de rádio que faziam concursos de talentos mirins. Um deles era o Clube do Guri, onde Telmo fez fila para chegar até o palco com a então menina Elis Regina.
Os números renderam bicos na Ospa, na época uma instituição particular, e a certeza de que seria o melhor violinista possível. Decidido a vencer o desafio, foi estudar na Academia de Música de Viena, na Áustria. Com 16 anos, cruzou o Atlântico em uma viagem de navio que durou 11 dias. Na bagagem, levou o parco francês aprendido na escola. Apresentou-se para prestigiados professores da academia, em uma seleção que determinaria sua estada na Europa ou a volta imediata ao Brasil. A possibilidade de não ser selecionado jamais lhe ocorreu:
— A vantagem foi ter muito pouca idade. Se eu tivesse mais consciência, iria morrer de medo.
Estudou três anos em Viena. De lá, escrevia cartas pouco simpáticas a jornais de Porto Alegre reclamando da falta de oportunidades na capital gaúcha e da baixa qualidade dos professores de música daqui, o que obrigava um jovem talento como ele a sair de seu país para aprender com os melhores.
O primeiro músico
Também fez trabalho braçal descarregando caminhões, tarefa permitida pela academia para que os alunos trabalhassem em troca de um salário. Voltou ao Brasil em 1970, aos 21 anos.
À Ospa, fez a seguinte proposta: só retornaria se pudesse ser o spalla, o primeiro violinista, que carrega a responsabilidade de ser o principal músico de uma orquestra, elo entre todos os naipes de instrumentos e o maestro.
— Para mim sempre foi importante ser o primeiro, o melhor, o mais chamado. Era uma busca minha. Nunca tive raiva do que era melhor que eu, mas me matava para passá-lo. Sempre tive essas pessoas como meus exemplos. Claro que tem uma infinidade de gente que não consegui superar, mas me tornei o primeiro músico da orquestra, que era onde achava que podia chegar — relembra.
Essa ânsia pelo reconhecimento é transmitida aos alunos da Orquestra Jovem. Muitas vezes, Telmo usa o termo meritocracia quando discursa para eles. Não amolece diante de desculpas que considera preguiçosas, mas procura levar em consideração dificuldades que muitas vezes acometem alunos em condições vulneráveis. Pelas paredes das salas de ensaio, leem-se frases como “Pare de sonhar, comece a fazer” e “A única coisa que não posso fazer por você é a sua parte”, escritas pelos jovens.
Se eles têm que tocar uma música, vencer um desafio, bom, vamos ter que vencer o desafio. Eles dizem: “Ah, mas é difícil”. Se fosse fácil não tinha graça.
TELMO JACONI, MAESTRO DA ORQUESTRA JOVEM DO RIO GRANDE DO SUL
— Eles aprendem esse meu lado conservador da meritocracia — reconhece.
Inspiração
Telmo proíbe que os alunos masquem chiclete, usem boné ou calça rasgada. Também desestimula piercings e cabelos coloridos, argumentando que, no palco, o que deve chamar atenção é o talento. Prestes a completar 70 anos, está aprendendo a lidar com assuntos mais delicados, como a questão de gênero. Spalla do grupo avançado, Lilianna é uma jovem transexual de 23 anos.
O professor não se importa que os estudantes manifestem preferências políticas ou outras particularidades. O que ele quer é devoção à Orquestra Jovem. Diz pelos corredores que o aluno que não se entrega totalmente à oportunidade está tirando a vaga de quem sonha com aquela chance. Controla inseguranças e vacilos com a regência de quem domou o próprio destino:
— Inúmeras vezes, ouvi: “Isso aí eles não vão conseguir fazer, é muito difícil”. A história do “não dá” eu não conheço. Não admito... Quando começam a me explicar por que não vai acontecer, eu digo: “Olha aqui, não quero explicação. Quero ver como tu vai fazer para conseguir”. Tem que acontecer. Se eles têm que tocar uma música, vencer um desafio, bom, vamos ter que vencer o desafio. Eles dizem: “Ah, mas é difícil”. Se fosse fácil não tinha graça. A gente tem que forçar a barra. Para mim, a história da orquestra é um milagre. Começamos do zero. Hoje, jovens que eram desassistidos tocam um solo de oboé, fagote, trompa, instrumentos que jamais iriam passar perto.