Revelar musicistas esquecidas e reescrever uma parte pouco conhecida da história da música erudita são os pilares do site Donne Women in Music. Criado no início de 2018 pela soprano gaúcha radicada em Londres Gabriella Di Laccio, o projeto lista mais de 4 mil compositoras de diferentes países ligadas ao que se define como música clássica. A relação, com links para se conhecer a vida e obra das autoras, começa na Idade Antiga, destacando, por exemplo, a poeta grega Sapho (630 – 570 a.C). Avança ao longo dos séculos – de forma mais efetiva a partir do século 16. Lembra de nomes como a italiana Maddalena Casulana (1544 – 1590) – primeira compositora a ter seu trabalho impresso e publicado nos registros da música ocidental –, a austríaca Maria Anna Mozart (1751 – 1829), irmã mais velha de Wolfgang Amadeus, e a brasileira Chiquinha de Gonzaga (1847 – 1935).
Além de Chiquinha Gonzaga, outras brasileiras são mencionadas na lista. Entre elas estão Esther Scliar (1826 - 1978), gaúcha de Porto Alegre que foi compositora, musicóloga, maestrina e professora de muitos músicos brasileiros; Dinorá de Carvalho (1905 - 1980), pianista, compositora e primeira mulher aceita na Academia Brasileira de Música; e Catarina Domenici, compositora, pianista e professora da UFRGS - é autora da canção protesto Marielle Presente, incluída no CD Homage, lançado agora em novembro.
A iniciativa é fruto de uma pesquisa pessoal de Gabriella, que vive em Londres há mais de 15 anos. A soprano lembra que sempre buscou referências femininas para suas apresentações, até que, em 2015, quando participou de um concerto no StudioClio, em Porto Alegre, sobre músicas inspiradas no escritor William Shakespeare, deparou com um universo de obras de mulheres desconhecidas. Sua inquietação deu lugar à pesquisa mais ampla, com o intuito de divulgar as musicistas encontradas. Gabriella buscou publicações, artigos e enciclopédias sobre o tema. A principal referência foi o livro International Encyclopedia of Women Composers, do pesquisador americano Aaron I. Cohen, que nos anos 1980 listou mais de 6 mil compositoras na música clássica.
A pesquisa desenvolvida pelo Donne Women in Music identificou o pequeno número de compositoras nos repertórios das 15 maiores orquestras do mundo. Das formações analisadas, as programações previstas para 2018 e 2019 reúnem 1.445 concertos com um total de 3.524 peças – e apenas 82 delas escritas por mulheres.
– Se eu, sozinha, consegui entrar em contato com esse repertório de nomes, não entendo como grandes instituições que têm tempo, verba e pessoas para fazer pesquisa não estejam fazendo isso – lamenta Gabriella.
A soprano diz que tinha a sensação de ter perdido uma aula especial antes de conhecer histórias e mulheres com obras fascinantes:
– Faz parte da história da música, faz parte da história atual não dar reconhecimento a tantas mulheres. Então, me dei conta de que gostaria de fazer a minha parte.
O site também conta com um canal no YouTube, Drama Musica, em que são disponibilizados vídeos animados sobre artistas e entrevistas com musicistas.
O projeto recebeu apoio financeiro de duas instituições: a Arts Council of England e o Conservatório Real da Escócia, que auxiliaram na produção de cinco CDs com releituras de obras cantadas – disponíveis no Spotify e no iTunes. Gabriella destaca o quanto a experiência está sendo inspiradora:
– Está enriquecendo muito a minha vida artística, não só com o conhecimento de um vasto repertório muito interessante, mas também por estar em contato com compositoras contemporâneas. A gente, como artista e performer, se esquece da riqueza de poder estar em contato com o compositor vivo.
Nascida em Canoas, Gabriella estudou na Universidade de Música e Belas Artes do Paraná. Ainda na faculdade, se juntou à Companhia de Ópera do Teatro Guaíra. Continuou os estudos em Londres, com pós-graduação no Royal College of Music, em performance de ópera e música antiga. Sua formação acadêmica está alinhada ao seu desempenho nos palcos. Nos concertos, preza por um repertório de obras barrocas e de câmara, com destaque, claro, para composições de mulheres.
– Acredito que é parte do meu trabalho como cantora e artista trazer essas obras para mais perto das pessoas – afirma Gabriella.