Pelotas é uma cidade com alter ego. Ao escrever o nome de sua cidade-natal ao contrário, Vitor Ramil criou Satolep, espaço fantástico que abriga o corcunda Barão de Satolep, personagem que o músico levava para os palcos nos anos 1990. O apelido aparece também em Satolep Sambatown, disco de 2007, e Satolep, livro de 2008.
Nesta quarta-feira, às 19h, Vitor Ramil volta a exibir seu universo criativo em Porto Alegre, em show com ingressos já esgotados no Santander Cultural. ZH fez o caminho contrário: saiu da Capital e foi conhecer in loco o lugar que mais inspira o artista, tendo ele mesmo como guia.
Convidado a apresentar locais de sua cidade natal que gosta de frequentar, Vitor Ramil sugeriu um passeio de bicicleta.
– É o que costumo fazer quando saio de casa – explica o recluso compositor. Sem subidas ou descidas de tirar o fôlego nem trânsito intenso, Pelotas é mesmo convidativa para uma pedalada. Acompanhe o passeio, conhecendo pontos turísticos e um pouco da história de Pelotas – ou será de Satolep?
Ciclovia
Pelotas conta com 42 quilômetros de ciclovias – um quilômetro a mais do que Porto Alegre, cidade pelo menos quatro vezes mais populosa. Um dos motivos que explica o número expressivo de ciclovias é a geografia da cidade.
– Pelotas é muito plana, muito fácil para pedalar. A bicicleta faz parte do dia a dia da população, não apenas como passeio – destaca Vitor Ramil.
Nossa pedalada começou na casa do compositor, na Rua Amarante, e em menos de 200 metros chegamos a uma ciclovia na Rua Andrade Neves, que nos levou até a principal praça da cidade, a Coronel Pedro Osório, passando pela Catedral Metropolitana São Francisco de Paula, em um percurso de 1,6 quilômetro.
– Os motoristas se acostumaram com as ciclovias até mais rápido do que eu esperava. Nunca tive qualquer percalço significativo – conta.
Catedral de Pelotas
Chegamos à catedral pela ciclovia. De fora, é um prédio suntuoso, de meados do século 19, com duas torres e uma cúpula. Mas é dentro que a construção guarda seus detalhes mais impressionantes.
– Entra lá. Dá uma olhada nesses afrescos. São lindos – convida Ramil, enquanto toma conta das duas bicis.
Não foi só Ramil que se impressionou com os afrescos da Catedral. As pinturas marcam os primeiros passos do artista Aldo Locatelli (1915 – 1962) no Brasil – depois da repercussão desse trabalho inaugural, de 1948, o italiano foi convidado a decorar a Igreja de São Pelegrino, em Caxias, e a criar um ciclo de painéis no Palácio Piratini, consolidando seu nome no cenário artístico do Rio Grande do Sul.
Praça Cel. Pedro Osório
Em frente à catedral, a ciclovia faz uma curva para a direita e segue pela Rua Félix da Cunha, que nos leva em poucos minutos ao endereço mais turístico da cidade, a Praça Cel. Pedro Osório. Cercada de prédios históricos e localizada a poucos metros de atrações como o Mercado Central e o Theatro Guarany, a praça é o melhor ponto de partida para quem quer conhecer o centro de Pelotas.
O mais vistoso atrativo do espaço está bem no centro da quadra: um chafariz importado da França em 1875, que substituiu o pelourinho que ocupava o local. Além disso, há obras do escultor pelotense Antônio Caringi (1905 – 1981) – o mesmo que forjou a Estátua do Laçador, em Porto Alegre.
A grande novidade da praça foi inaugurada em dezembro: uma estátua do escritor Simões Lopes Neto (1865 – 1916), criada pelo artista mineiro Léo Santana, o mesmo que assina o Drummond em bronze no calçadão de Copacabana, no Rio de Janeiro. Tal como a estátua de Drummond, o Simões de Léo Santana foi instalado em uma reprodução de um banco de praça – um convite para que turistas e moradores da cidade aproveitem a companhia do autor para tirar fotos.
Bibliotheca Pública e casarões
O entorno da Praça Cel. Pedro Osório guarda o maior número de exemplares arquitetônicos da cidade construídos entre 1870 e 1930. Alguns deles mantêm sua função original, como a Bibliotheca Pública. Desde 1875, o prédio guarda vasto acervo de livros e promove ações de acesso à cultura – até a próxima sexta-feira, por exemplo, o Festival Internacional Sesc de Música promove recitais no local. Além disso, conta com museu histórico, espaço para exposições e ambientes de leitura.
Também chamam atenção prédios que mudaram de função ao longo dos anos, como o Museu do Doce, inaugurado em 2011 em uma casa que havia sido construída em 1878 por Francisco Antunes Maciel, político pelotense que foi Conselheiro do Imperador D. Pedro II.
– Tá vendo ali aquele prédio verde? – aponta Vitor Ramil para uma construção bem conservada, na esquina com a Rua Félix da Cunha. – Abrigou as tropas imperiais durante a Guerra dos Farrapos, em 1836.
Hoje, o espaço acomoda uma tranquila e silenciosa agência bancária.
Mercado Central
Construído em 1848, o Mercado Central recebeu uma completa restauração entre 2008 e 2012, adotando perfil mais turístico e boêmio. Salão de beleza, doces artesanais, camping, tabacaria e agência de turismo estão entre as opções de comércio e serviços. À noite, os bares costumam ficar lotados. Nas manhãs de sábado, a calçada em frente abriga o Mercado das Pulgas, tradicional feira de antiguidades.
– Aqui eu e minha mulher costumamos terminar nossas pedaladas, com uma merecida cerveja – conta Ramil.
Igreja Cabeluda
Municipal, foi preciso pedalar apenas uma quadra pela Rua 15 de Novembro para darmos de cara com uma das mais bonitas igrejas das cidade. Na esquina com a General João Telles, fica a Catedral do Redentor, embora poucos pelotenses a conheçam por esse nome. Para quem circula por ali, aquela é a "Igreja Cabeluda", apelido que ganhou graças à cobertura de hera de sua fachada.
Além de ser responsável pelo apelido, a hera é a principal atração a embelezar a pequena construção.
– Essa hera é muito bonita, vai mudando de cor conforme as estações, ficando mais avermelhada – observa Ramil.
Zona portuária
Sem ciclovia, mas em ruas tranquilas, rodamos para a área portuária de Pelotas. Foram apenas dois quilômetros de pedalada, mas pareceu um salto no tempo: do passado dos prédios antigos para o futuro da cidade. Fomos parar em um espaço que está trazendo esperança para muitos pelotenses que não pretendem buscar emprego em outros lugares. Inativo havia 15 anos, o porto foi reativado no ano passado para o embarque de madeira por uma companhia de celulose – 800 empregos diretos foram gerados.
A área também é frequentada por universitários, atraídos pela vida noturna. Nas paredes dos prédios do bairro, o grafite é a expressão artística que chama mais atenção.
– Tem muito grafiteiro legal em Pelotas, muita arte de rua bonita. Andando assim, de bicicleta ou a pé, a gente percebe mais essas coisas – avalia Ramil.