Por José Francisco Alves
Historiador de arte e autor
No Rio Grande do Sul, as bibliotecas particulares de destaque não são tão conhecidas como as coleções de arte privadas, cujos colecionadores são figuras reconhecidas, associadas aos seus acervos. Porém, em fins de 2022, tornou-se público o significado da coleção de livros raros e documentos de Gilberto Schwartsmann. A exposição Caminhos de Proust, na Biblioteca Pública, idealizada e curada pelo próprio Schwartsmann, foi o primeiro sinal da importância da sua biblioteca.
Schwartsmann atua no meio cultural há décadas, como mecenas e incentivador das artes, e isto o destacou em paralelo à sua longa e prestigiada carreira de oncologista e professor de Medicina na UFRGS (de onde se aposentou, em 2019). Em tempos recentes, dedicou-se à gestão cultural, na Bienal do Mercosul e nas associações de amigos do Theatro São Pedro e da Biblioteca Pública do Estado. Desde o ano passado, preside a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa).
Assim, arte, literatura e medicina, para Gilberto Schwartsmann, sempre estiveram ligadas por uma interdisciplinaridade sensível e essencialmente humanista. Tendo como base seu ambiente de criação familiar, sua energia e capacidade intelectual é que produziu o bibliófilo, condição que parece estar indissociável da sua produção literária. Desde 2019, ele publicou oitos livros, a maioria traduzida para o francês e o espanhol. Como autor, professor e colecionador de livros, faz lembrar, entre outros, o scholar americano Richard Macksey (1931-2019), professor da Universidade Johns Hopkins que aproximou as humanidades da medicina no século 21 e foi um escritor que formou uma biblioteca particular extraordinária.
Observamos agora que o intelectual Gilberto Schwartsmann se aproxima de ter, com sua produção literária (e sua biblioteca), um similar prestígio que detém por sua atividade científica (medicina). Desse contexto, resultou a exposição de uma parte de sua coleção de livros raros: Babel [In] Finita – Jorge Luis Borges por Facundo Sarmiento. Ela foi idealizada por Schwartsmann para a Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro, instituição que ele integra como titular da cadeira n.º 15. A exposição foi inaugurada em 1º de setembro, sendo totalmente produzida no Rio Grande do Sul em sua concepção, projetos expositivos e visual, construção de expositores, montagem e tudo o mais.
Para o recorte da coleção, ele concebeu, inclusive, o próprio curador, ao criar o fictício argentino Facundo Sarmiento. O projeto curatorial parte do conto de Jorge Luis Borges La Biblioteca de Babel (1941), assim como todo um “olhar borgeano” sobre o acervo, para selecionar “autores representativos do cânone literário ocidental”. A mostra ocupou dois pisos da Academia Nacional de Medicina, em disposição espacial que acentuou o caráter de biblioteca infinita, hexagonal, a qual contou até com uma torre cenográfica no centro do ambiente.
Babel mexeu com o meio carioca, e a Academia Brasileira de Letras (ABL) também pediu para exibir a mostra, que foi adaptada, em espaço distinto, sendo atualizada sutilmente nessa versão, com a inserção de alguns itens. Desta feita, foi reprojetada de modo a destacar o aspecto de labirinto para dispor o acervo. Na ABL, a exposição foi inaugurada em novembro.
Os livros estão dispostos de forma basicamente cronológica, com poucas exceções, numa “viagem por toda a literatura” ocidental, dos poemas a Gilgamés aos célebres autores do século 20, a exemplo de Tomás de Aquino, Shakespeare, Dante, Homero, Cervantes, Joyce, Kafka, Camus e Proust. Também estão presentes autores de língua portuguesa, como Camões, Eça, Machado, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Erico Verissimo, entre outros. A exposição, com cerca de 300 livros, além da relevância literária, destaca-os como obras primorosas das artes gráficas, incluindo edições impressas há 200, 300, 400 e 500 anos.
Na tradição das ilustrações de textos e livros, a artista Zoravia Bettiol foi convidada e realizou obras especiais para a exposição, com uma série de desenhos sobre contos de Borges. A mostra se encerra na ABL na próxima quinta-feira (25/1). Aguarda-se, com expectativa, que possa ser apresentada em breve em Porto Alegre. Será uma oportunidade, especialmente para as novas gerações, de conhecimento da literatura universal, do que foram capazes os autores ao longo dos séculos e como a sociedade construiu cultura na forma de livros preciosos, integrantes de uma coleção talvez sem precedentes no Rio Grande do Sul.