Por Pedro Gilberto Gomes
Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, docente na Unisinos
A hoje percebida aceleração da vida cotidiana parece que vem fazeando com que a História seja esquecida e desconsiderada. O que vale é o presente e com a vista no futuro. A bruma do tempo envolve o passado, obscurece a memória e ocasiona a perda das cores especiais de cada época, com suas luzes e sombras.
Homens e mulheres contemporâneos têm medo do passado. Professores, estudantes e bibliotecários tendem a buscar e valorizar obras contemporâneas. Tudo aquilo que foi publicado, digamos, há mais de 20 anos, é considerado ultrapassado e deve ser lançado ao baú do esquecimento.
No entanto, é imprescindível conhecermos o passado para obtermos um melhor dimensionamento do presente e a coragem para projetar o futuro almejado. “Desandar o andado”, nos disse Antônio Vieira, é revisitar o passado, é reencontrar e relatar o passado.
O Rio Grande do Sul conta com um passado interessante, oferece um histórico de passagens sociopolíticas importantes. Revelou figuras em todos os campos, das ciências às humanidades. Consciente disso, o professor emérito da UFRGS Luiz Osvaldo Leite propôs-se a desandar o andado para revisitar a eclética criação filosófica de pessoas que nasceram ou que, em determinado momento, estiveram no Rio Grande do Sul. Para isso, fez uma viagem de 200 anos pela reflexão e a produção filosófica neste Estado em seu recém-lançado livro A Filosofia no Rio Grande do Sul – 1800-2000: Uma Cronologia.
Identifica-se nessa obra um trabalho de pesquisa histórica que segue, minuciosamente, ano a ano, pessoas e eventos filosóficos, como seminários, congressos, conferências e cursos realizados no Estado, bem como assinala determinados períodos por meio da menção a acontecimentos sociopolíticos; acompanha as grandes instituições de educação superior gaúchas e a criação de seus cursos de graduação e de pós-graduação em Filosofia. Marca essencial do livro de Leite é a condição de ser resultante de algumas décadas de registros do autor sobre aqueles pensadores e eventos intelectuais, livro que nos revela um trabalho meticuloso de anotações contínuas.
O pesquisador das humanidades ou o leitor curioso interessado em conhecer o desenvolvimento da filosofia neste Estado encontrará em A Filosofia no Rio Grande do Sul um relato epocal pormenorizado. Assim, por exemplo, o ano de 1800 traz registro sobre Visconde de Rio Grande, doutor em Leis pela Universidade de Coimbra (Portugal). Ele publicou, em 1871, O Fim da Criação ou A Natureza Interpretada pelo Senso Comum. Traz, também, registro sobre Luigi Rossetti, italiano, que veio para se somar ao projeto da República de Piratini. O leitor ainda é apresentado a Nísia Floresta Brasileira Augusta, que viveu em Porto Alegre e conviveu com a Revolução Farroupilha, que a levou ao Rio de Janeiro e a várias cidades da Europa. Como filósofa, Nísia abordou temas como os direitos da mulher. Foi abolicionista. Escreveu o primeiro livro feminista de que se tem notícia no Estado e publicou várias obras, com destaque para Opúsculo Humanitário, Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens e Conselhos a Minha Filha.
O panorama da filosofia no Rio Grande do Sul, apresentado por Leite, traz a discussão entre a neoescolástica (com maioria dos jesuítas) e o positivismo (Júlio de Castilhos e castilhistas). São correntes que, do século 19 até o início do século 20, eram irreconciliáveis. O livro é concluído por um índice onomástico que permite aceder rapidamente a cada personagem considerado na obra.
Enfim, estamos diante de uma obra de fôlego na qual o estudante, o pesquisador e o interessado têm acesso a dados que fornecem um mosaico do pensamento filosófico do Rio Grande do Sul.