Como personagens femininas são retratadas na literatura de duas premiadas escritoras gaúchas contemporâneas? Existe algo na literatura feita por mulheres que a diferencie da feita por homens? Natalia Borges Polesso, autora de Amora (2015), e Renata Wolff, de Fim de Festa (2016), refletiram sobre esses e outros temas durante um bate-papo nesta terça-feira (7) na 69ª Feira do Livro de Porto Alegre.
O encontro ocorreu no auditório do Memorial do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega, e foi mediado por Julia Dantas, autora de Ruína y Leveza (2015) e Ela se Chama Rodolfo (2022).
Estreando no romance com o recém-lançado O Palco Tão Temido (Dublinense), que entrelaça a vida de uma atriz de comédia que deseja se lançar no drama com a de duas jornalistas em Buenos Aires, Renata disse que fez questão de retratar suas personagens travando diálogos importantes em ambientes banais, até mesmo tido como espaços onde prevalecem temas superficiais.
— Eu quis trazer cenas e conversas entre mulheres em ambientes ditos "de mulheres". E que nem por isso são supérfluos ou desimportantes. São coisas importantes que acontecem em cabeleireiros, banheiros. É uma tentativa de mostrar que a leveza no trato não elimina a profundidade.
Lançando seu terceiro romance, Foi Um Péssimo Dia (Dublinense), onde narra duas histórias que ela própria vivenciou com pai e mãe, Natalia disse que desde Amora, livro de contos onde mulheres lésbicas vivem as mais diferentes relações, ela assumiu a decisão de incluir em suas histórias personagens homossexuais.
— Queria que os contos não fossem sobre elas serem lésbicas, mas sobre o fato de serem pessoas com várias questões.
Julia observou que tanto Natalia quanto Renata privilegiaram, em seus novos livros, as relações de amizade em detrimento das familiares ou românticas, um caminho menos óbvio na literatura tradicional, que geralmente aposta na trama de mulheres vivendo grandes amores. Natalia explicou que sua escolha resulta do compromisso inicial de retratar personagens lésbicas e desconstruir a ideia de que uma pessoa LGBT+ só assume essa identidade quando está dentro de uma relação sexual ou amorosa.
— É engraçado, porque procuram identificar se faço um romance lésbico, já que não há uma relação lésbica em Foi Um Péssimo Dia. Eu explico que são várias relações, mas de amizade, de família.
Por fim, Renata questionou o fato de os livros escritos por mulheres geralmente serem definidos como autobiográficos:
— Por que só é "escrita do eu" quando determinadas vozes narram suas histórias, e quando os homens fazem essa "escrita do eu" isso é chamado de história universal? Do meu ponto vista, seja lá o que signifique a minha história, só o que eu quero é que o texto esteja na rua e encontre os seus leitores.