Há cinco décadas, Gramado é a cidade gaúcha do cinema, sede de um dos festivais mais importantes do ramo do Brasil, que no mês passado realizou sua edição de número 50. Agora, quer ser também reconhecida como terra da literatura. Nesta sexta (2), a cidade serrana inaugura a primeira edição do Festival Internacional Literário de Gramado (FiliGram), que deseja grifar o nome do Rio Grande do Sul na lista de grandes eventos literários do país, somando-se à tradicional Feira do Livro de Porto Alegre.
Para isso, serão 10 dias dedicados à literatura, com atividades gratuitas até o dia 11 de setembro no complexo montado no Lago Joaquina Rita Bier (Rua Leopoldo Rosenfeld, 919). A programação desta sexta começa às 14h, mas o lançamento oficial do evento será às 19h, com a mesa de abertura "Brasil, Portugal e os 200 anos de Independência: Como se cruzam nossas narrativas?", que traz um bate-papo entre o escritor carioca radicado em Porto Alegre Jeferson Tenório, vencedor do Jabuti de Melhor Romance por O Avesso da Pele e colunista de GZH, e o autor português Afonso Cruz, com mediação de Vanessa Passos. A programação completa está disponível no site do evento, por onde também serão transmitidas online as principais mesas.
As atrações estão divididas em cinco eixos temáticos — Polaroid Brasil, Mercatto, Orgânico, Campi e Digiteen — criados a partir do encontro de profissionais do meio literário com coletivos formados pela própria comunidade local de Gramado, em uma estratégia que visa a fazer com que os moradores da cidade sintam-se parte do evento. É o que explica o secretário de Cultura do município, Ricardo Bertolucci:
— O fato de Gramado ser uma cidade turística acaba afugentando um pouco o morador. Ele não se sente tão pertencente ao que acontece na cidade, principalmente nesse miolo do Centro, e nos próprios eventos públicos, dos quais por vezes acaba nem participando. Por isso, tivemos uma preocupação muito grande em integrar a comunidade.
Desses encontros entre curadores e comunidade surgiram alguns dos principais temas que norteiam as mesas, debates, oficinas e demais atividades do festival, como a formação de novos leitores, a confluência entre literatura e outras artes, os desafios do mercado editorial, os impactos da era digital no consumo e na produção literária, diversidade e valorização da autoria negra na literatura.
Este último, aliás, é um dos pontos que se destacam no festival. A começar pela escolha do autor homenageado desta primeira edição: o poeta Oliveira Silveira (1941-2009), ícone da literatura afro-gaúcha e um dos principais responsáveis pelo estabelecimento do 20 de Novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, como o Dia Nacional da Consciência Negra — em detrimento do 13 de maio, alusivo à promulgação da Lei Áurea.
Para Jeferson Tenório, a homenagem é uma forma de reconhecer e reverenciar a obra e a contribuição de Oliveira Silveira não somente para a população negra, mas para a cultura e a intelectualidade do Estado de modo geral:
— É importante o reconhecimento de um poeta e ativista como Oliveira Silveira, que é uma figura importantíssima para o pensamento intelectual e estético negro. E é importante que ele também seja lembrado como o grande escritor que foi, com uma produção poética imensa e muito consistente, de muita qualidade. É muito justa essa homenagem, embora tardia no sentido social. Eu fico muito feliz que o festival de Gramado tenha decidido homenagear Oliveira Silveira. Marca aí uma mudança de mentalidade muito importante.
Tal mudança passa não somente pela reverência a Oliveira, mas também pelos próprios rostos dos autores e autoras que estarão no festival. Houve uma preocupação em equilibrar a presença de escritores negros e brancos nas atividades. Além dos já citados, participarão desta edição nomes como José Falero, Paulo Scott, Ronald Augusto, Ana dos Santos, Taiasmin Ohnmacht, Marlon Pires, a sul-africana Futhi Ntshingila, Aline Bei, Natalia Borges Polesso, Clara Corleone e o britânico Michael Bhaskar.
É uma forma de driblar a realidade do mercado editorial brasileiro, ainda majoritariamente branco e desigual, e desconstruir a imagem de Gramado como uma cidade somente "europeia", conforme o secretário de Cultura:
— O nome de Oliveira Silveira surgiu a partir da sugestão de um dos curadores de um eixo temático. Foi levado para votação e foi eleito de maneira unânime, sobretudo pela sua importância para a literatura e o movimento negro gaúchos. Estamos trazendo um evento que fala sobre diversidade e literatura negra. Teremos a presença de vários autores negros e teremos discussões bem profundas sobre literatura negra, e achamos que casou muito bem. Além disso, Gramado não é reconhecida como uma cidade que levanta essas bandeiras. Por isso, trazer essa temática é superimportante.
Para além de fomentar o debate, o festival também promete agitar a vida cultural da cidade, reunindo nomes de destaque da música nacional. Como Fernando Anitelli, frontman do grupo O Teatro Mágico, que no dia 7 de setembro realiza uma apresentação poética no formato voz e violão. A participação mais aguardada, porém, é a do músico e escritor Zeca Baleiro, que estará no festival nos dias 6 e 7 para lançar seu novo livro, Memórias do Estaleiro, e participar do debate "Mesa da Cultura Luso-brasileira" ao lado do português Afonso Cruz.
Confira alguns destaques da programação:
2 de setembro
19h - Mesa de abertura "Brasil, Portugal e os 200 anos de Independência - Como se cruzam nossas narrativas?", com Jeferson Tenório e Afonso Cruz, no auditório
3 de setembro
15h20min - Mesa "A importância de falar da cor e do racismo na literatura brasileira", com Paulo Scott e Taiasmin Ohnmacht, no auditório
18h - Mesa com Futhi Ntshingila (África do Sul) e Afonso Cruz (Portugal), no auditório
4 de setembro
18h - "Mesa África e Brasil - Saberes femininos", com Futhi Ntshingila (África do Sul), Ana dos Santos e Carolina Panta, no auditório
5 de setembro
14h - Mesa "A importância das histórias indígenas na cultura pop", com Sâmela Hidalgo, Cacique Maurício (Kaingang), Carol Xipaya (Xingu) e Rayane Xipaya (Xingu), no auditório
18h - Mesa "Influencers e a literatura", com Pedro Pacífico, o Bookster, e Eduardo Krause, no auditório
18h30min - Exibição do filme SOU, sobre Oliveira Silveira, seguido de debate com Ronald Augusto, Naiara Oliveira e Sátira Machado, no miniauditório
6 de setembro
18h - Lançamento do livro de Zeca Baleiro e sessão autógrafos, no auditório
7 de setembro
13h40min - Mesa "Oliveira Silveira e seu Brasil negro", com Lis Reis, Ronald Augusto e Adilson Fontoura, no auditório
18h30min - "Mesa da cultura luso-brasileira", com Zeca Baleiro e Afonso Cruz, no auditório
20h - Apresentação poética de Fernando Anitelli, no auditório
9 de setembro
17h30min - Mesa "Feminilidades e poesia", com Aline Bei, Natalia Borges Polesso e Ana dos Santos, no auditório
10 de setembro
11h - Bate-papo com Aline Bei sobre suas obras, no ateliê
17h - Mesa sobre a diversidade na literatura, com Natalia Borges Polesso, no auditório
11 de setembro
17h - Mesa "Poesia e Slam", com Marlon Pires, Jéssica Rodrigues e Ronald Augusto, no ateliê
19h - Sarau "Todas as cores de Elvira Virgínia", com Frank Jorge e Dani Espindola, no auditório
- A programação completa pode ser conferida no site do evento, onde também serão transmitidas online as principais mesas. Inscrições para oficinas também devem ser feitas no endereço eletrônico.