O ano era 1982. O recém-formado jornalista Tailor Diniz, natural de Júlio de Castilhos, desembarcava na rodoviária de Porto Alegre com um patrimônio que consistia em uma bolsa de viagem com uma calça, um tênis, uma jaqueta, uma camiseta e duas camisas dentro. Segundo ele, foi a Capital que o acolheu e lhe deu oportunidades e, principalmente, foi o lugar em que pôde constituir a sua família. Agora, quatro décadas depois, quando a Capital completa 250 anos, ele a presenteia — e a seus habitantes — com a obra Porto-alegreanos (editora Class/Bestiário, 102 páginas, R$ 29,90).
O livro abriga três contos, uma parte dedicada às lembranças — em que o autor conta suas inspirações —, além de um prefácio escrito pelo também autor Robertson Frizero. Nestas primeiras páginas, Frizero compara — a começar pelo título — a obra de Diniz a Montevideanos, de Mario Benedetti, mas ressalva que, diferentemente do trabalho do uruguaio, que usa ironia para tecer crítica sociais, o autor gaúcho se dedica a passar bom humor para os leitores.
De fato, Porto-alegreanos tem os seus pontos divertidos. Mas Diniz também traz doses de melancolia, assim como o colega uruguaio. O autor, em seus dois primeiros contos, por exemplo, coloca os seus personagens a viver as sempre deprimentes tardes de domingo — uma delas é em uma praia sem viva alma por perto, na qual os protagonistas precisam lidar com um corretor de imóveis pra lá de sem noção e a saudade de Porto Alegre, enquanto a outra fala de um amor secreto e complicado que ganha um novo episódio durante uma tempestade que derrubou árvores e que perigou fazer o Arroio Dilúvio transbordar.
Para estas duas histórias, Diniz conta que se inspirou em observações que faz do dia a dia, misturando momentos vividos pelo próprio, tanto na vida real quanto na imaginação. Assim, juntando fatos com ficção, ele explora a vida de pessoas comuns e situações do cotidiano, buscando encantar pela simplicidade a partir daquilo que acontece e não vira notícia. Um mergulho em pequenas cenas da existência ordinária daqueles que habitam Porto Alegre.
O terceiro e último conto de Porto-alegreanos, que o próprio Diniz considera o mais montevideano de todos, traz a história de uma amizade interrompida pela covid-19, na qual o autor entra na história, em um conto com metalinguagem. O escritor tem nesta a sua aventura preferida do volume.
— Os personagens que eu retrato no livro são pessoas comuns, mas transformadas em protagonistas de histórias interessantes, que geram curiosidade do leitor. Não é para ser nenhum herói, nenhuma pessoa genial. São pessoas simples. E toda pessoa, se tu procurares, tem uma história boa. Elas só precisam ser bem contadas — destaca Diniz.
Cartão-postal
A capa de Porto-alegreanos mostra um homem acompanhado de um cachorrinho caminhando rumo à Usina do Gasômetro, em um aparente inverno, devido às suas vestes. A cena foi imaginada pelo próprio Diniz e criada por ele no recém-descoberto mundo das pinturas digitais — ele já tem experiência nos trabalhos em telas físicas, mas ressalta a dificuldade deste tipo de trabalho quando não se tem um ateliê, tendo que montar e desmontar tudo diariamente.
Assim, agora ele cria as suas obras em seu iPad, podendo mexer na pintura sempre que quiser — basta apertar o ícone do programa e sair pincelando. Para a capa do seu livro, a obra foi baseada no terceiro conto, e a paisagem foi justamente selecionada para homenagear o cartão-postal da Capital, lugar que, sempre que alguém chega na cidade de avião, olha do céu e diz: "Estou em Porto Alegre".
Diniz, então, a partir da capa, já pega o leitor pela mão e começa a imergir nos sentimentos dos moradores da cidade, em um trabalho que consegue deixar quase palpável o clima no qual os personagens estão e, ao mesmo tempo, deixa pequenos suspenses no ar, aguçando a curiosidade.
— A atmosfera na literatura é essencial, temos que puxar o leitor para dentro da história. Se o autor não consegue, ele não está atingindo o seu objetivo. A partir do momento em que o leitor mergulha naquela atmosfera, o autor consegue até convencer que alguém ressuscitou, que foi feito um milagre. Se o leitor estiver ali dentro, ele acredita — explica o autor, que já tem 22 livros publicados e também atua como roteirista de TV e de cinema.
Enxuto e do tamanho de um palmo, Porto-alegreanos é um livro que o próprio Diniz classifica como "fura-fila", uma vez que ele se convida a passar na frente das obras de centenas de páginas que estão na cabeceira da cama. Com um ritmo envolvente, a pequena pérola de contos é perfeita para ser lida na orla do Guaíba, durante uma tarde de sol. E, de preferência, com um saco de bergamotas e um chimarrão do lado.
Porto-alegreanos pode ser adquirido nas livrarias Taverna (Rua dos Andradas, 736) e Erico Verissimo (Rua Jerônimo Coelho, 377), em Porto Alegre, assim como nos sites Estante Virtual e da editora Bestiário. Ainda é possível consultar a disponibilidade junto ao autor pelo e-mail tailordiniz@hotmail.com.