No auge de seus 56 anos recém completados, Deborah Finocchiaro voltou a ser criança. Ou pelo menos reencontrou a criança que um dia foi. Pegou-a pela mão e levou-a para bailar em meio às letras, palavras, fonemas e sons. Fez com ela o Baile das Letrinhas (editora Bestiário), título de seu primeiro livro infantil, que será lançado neste sábado (9), a partir das 15h, no quinto andar da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre.
Este, aliás, é o primeiro livro da vida da atriz, pois, apesar dos mais de 30 anos pisando no tablado do teatro, ela ainda não havia colocado os pés no chão da literatura. Mas não que a escrita lhe fosse algo estranho, afinal, foram muitos e muitos roteiros de espetáculos assinados por Deborah ao longo da carreira. Talvez por isso que Baile das Letrinhas tenha vindo como uma água que estava reservada e pronta para escorrer, tão logo alguém tomasse a atitude de abrir a torneira para deixá-la sair — metáfora que ela usa para definir o processo que deu origem ao livro.
Em um quarto de hotel, no meio de uma turnê de espetáculos, após assistir a uma reportagem na televisão, Deborah começou a escrever o livrinho. Tudo em uma única sentada, ela conta, dizendo sentir como se a inspiração já estivesse há tempos em sua cabeça, só esperando a chance de ganhar o mundo (por isso a comparação com a água).
— Eu tenho muito essa crença e sinto cada vez mais isso na minha vida. Sinto que, quanto mais aberta eu estou para as coisas, sendo quem eu sou, sem ter tanto medo de errar e sem pôr tantas máscaras, tudo fica mais fluido. E sinto que Baile das Letrinhas nasceu disso, como várias outras coisas na minha vida — reflete a artista sobre a experiência na literatura.
Mas essa faceta artística, apesar de nova, não é descolada de tudo o que Deborah já fez. A atriz é conhecida por transformar em arte problemas e discussões que estão latentes na sociedade. Exemplo é o seu premiado espetáculo Pois É, Vizinha..., por meio do qual, há mais de 20 anos, aborda a violência contra a mulher. Já no livro, a bola da vez é a alfabetização infantil, tema que se mostrou atualíssimo por conta dos impactos da pandemia de covid-19 na educação — entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos de idade que não sabem ler e escrever, conforme estudo feito pela ONG Todos pela Educação.
Baile das Letrinhas é, então, a contribuição de Deborah Finnochiaro para a superação deste cenário. O livro reúne uma série de poeminhas inspirados nas letras do alfabeto, que podem servir como instrumento pedagógico para a alfabetização dos pequenos. Há também imagens para colorir e um convite especial para que, ao final da bailanta, o leitorzinho recorra à criatividade para fazer seu próprio baile das letrinhas, escolhendo uma letra como inspiração e criando a partir dela desenhos, frases ou, quem sabe, até um novo poema.
E, por trás de tudo isso, há ainda uma mensagem a ser passada aos pequenos leitores através do texto. De forma leve e bem-humorada, Deborah usa os sinais gráficos para falar sobre o respeito à diversidade e o valor que cada letra tem na formação das palavras, seja ela da forma que for — ou seja, o valor que cada um de nós tem na sociedade.
— Em todos os trabalhos que faço, sempre penso em ser útil. Isso tem muito a ver com as minhas escolhas e essa crença na arte como um caminho real de transformação. Já vivi tanta coisa que não tenho dúvida do quanto a arte é potente e pode mexer com a perspectiva de uma pessoa. Então, Baile das Letrinhas também é permeado por essas questões — analisa Deborah. — Abordo questões como a importância de ser quem se é e a importância das diferenças, pois as letrinhas só compõem palavras porque são diferentes entre si. O que quero dizer é que cada um é especial e tem uma marca — detalha.
Espetáculo
Nos próximos meses, a mensagem deve chegar com ainda mais ênfase às crianças, porque um espetáculo infantil será montado por Deborah sob a direção de Júlia Ludwig. Será um solo, algo que a atriz domina como ninguém (não só tem vários no currículo como é fundadora da companhia Solos & Bem Acompanhados). O texto do livro será mesclado com músicas compostas por ela a partir da obra, pois, além de se aventurar como escritora e poeta, Deborah também trabalhou a faceta de compositora.
A estreia oficial deve ocorrer somente em novembro, durante a Feira do Livro de Porto Alegre. Mas uma palinha poderá ser conferida neste sábado, no lançamento de Baile das Letrinhas. As atividades iniciam às 15h no Espaço Oliveira Silveira da Casa de Cultura Mario Quintana, com pinturas orientadas por Karin W. Paiva, artista visual que assina a capa da obra, e brincadeiras conduzidas por Júlia Ludwig. Depois, na Biblioteca Lucília Minssen, também na Casa de Cultura, Deborah vai apresentar uma performance com direito a contação de histórias do livro e canja de algumas das canções que devem estar no espetáculo infantil — algo que, aliás, ela não vê a hora de voltar a fazer.
— No início da minha carreira, fiz algumas peças infantis e descobri que eu era engraçada, que era palhaça e que as crianças riam de mim. Sempre achei que fosse ser uma atriz dramática, mas aí descobri essa coisa do riso. E eu amo estar com crianças, sinto que tenho uma fluência com elas — conta.
É visível o entusiasmo da atriz ao falar sobre o projeto, embora muitos outros também estejam ocorrendo concomitantemente. Além de Baile das Letrinhas, livro e espetáculo, Deborah segue promovendo o Sarau Voador, parceria com Roger Lerina; está de malas prontas para o Rio de Janeiro, onde finalizará as gravações do filme A Cerca, dirigido por Rogério Gomes, o Papinha; vai apresentar seu espetáculo Diário Secreto de uma Secretária Bilíngue no renomado Festival de Inverno de Garanhuns, em Pernambuco; está prestes a estrear uma temporada de Palavra de Anja, projeto de teatro filosófico que mescla no texto obras de diferentes autoras mulheres; e segue ministrando oficinas de teatro.
Pode parecer muita coisa para uma pessoa só. Mas, como Deborah faz questão de frisar, apesar do número vasto de solos que já defendeu, está sempre bem acompanhada.
— Sozinho a gente não faz nada — decreta.
Baile das Letrinhas
- De Deborah Finocciaro.
- Editora Bestiário, 38 páginas, R$ 36.
- Lançamento no sábado (9), das 15h às 17h, no quinto andar da Casa de Cultura Mario Quintana (Rua dos Andradas, 736), em Porto Alegre. As atividades começam no Espaço Oliveira Silveira e depois seguem na Biblioteca Lucília Minssen.