Por volta de 1997, o busto de uma cigana foi instalado no Parque Moinhos de Vento, o Parcão, sem qualquer cerimônia de inauguração. A peça, feita pela escultora Eloisa Tregnago, foi colocada no local, reconhecido como acampamento cigano no passado, em homenagem a este povo. Porém, em 2004, o busto sumiu de seu pedestal. E nunca mais se teve notícia dele.
Em 2014, um novo busto apareceu por ali, novamente em homenagem ao povo cigano. Entretanto, desta vez, a imagem retratada era do espanhol radicado no Brasil Mathias Bagesteiro. E o artista foi Mario Cladera. A explicação para tal troca ou o paradeiro da cigana nunca foram descobertos pelo historiador da arte José Francisco Alves — mesmo com muita investigação de sua parte.
Ele conta esta e muitas outras curiosidades sobre os monumentos da Capital no livro recém-lançado A Escultura Pública de Porto Alegre (Editora Ponto Arte, 412 páginas, R$ 220, à venda nas livrarias da cidade e pelo site Estante Virtual). A obra, uma edição comemorativa dedicada ao aniversário de 250 anos da cidade, conta a história de sua arte pública e, com isso, resgata a memória do município que está completando um quarto de milênio em 2022.
A publicação, chamada pelo próprio autor de trabalho de fôlego, também carrega o adjetivo de ser uma edição de luxo. O livro conta com capa dura e com relevo, 412 páginas e cerca de 1,9 mil imagens a cores de monumentos, entre atuais e históricos. Tudo isso é compilado em um projeto belíssimo que pesa quase 2,5kg — o resultado é, praticamente, uma obra de arte que se pode folhear.
Apesar da beleza do livro, ele não é apenas para se deixar exposto na prateleira. Muito além de ser um álbum fotográfico, é um material de consulta sobre as obras públicas da cidade, fruto de mais de 25 anos de pesquisa de Alves. Trata-se de uma reedição ampliada e revisada de um livro de 2004 do autor que está esgotado há anos, A Escultura Pública de Porto Alegre – História, Contexto e Significado (editora Artfolio) — fruto de sua dissertação de mestrado, defendida em 2000. O mapeamento do historiador contempla centenas de trabalhos, desde os chafarizes franceses instalados em 1865 até peças que passaram a integrar logradouros públicos em 2022.
— Eu trabalho como no circo, atendo na bilheteria e me apresento no picadeiro. Esse é um trabalho em que fiz uma ampliação muito grande, é uma edição comemorativa em termos de formato, qualidade fotográfica, visual. E com aumento de assuntos revisados, que a gente com o dia a dia da investigação vai arrumando, consertando, descobrindo. Deu trabalho, mas estou muito orgulhoso — ressalta Alves.
Memória
Ao longo de suas centenas de páginas, A Escultura Pública de Porto Alegre reforça muitos detalhes da história da cidade. O autor aborda um tema que acredita que não tenha o destaque que deveria: a data de aniversário da cidade. Essa questão, nos anos 1970, gerou uma disputa intelectual em Porto Alegre. E foi graças ao historiador Francisco Riopardense de Macedo que hoje a fundação da cidade é reconhecida como tendo ocorrido em 26 de março de 1772. Mas não para por aí:
— O livro é bem complexo em questão de organização. Então, ele tem três capítulos teóricos e, depois, um grande catálogo de obras. O Laçador, por exemplo, eu fiz um trabalho longo, porque foi uma das coisas que alteraram muito. Aumentou muito em relação aos meus estudos anteriores. Resolvi fazer, realmente, uma pesquisa profunda sobre a história do Laçador, como realmente se construíram esses mitos e fatos em torno da estátua-símbolo do Rio Grande do Sul.
De acordo com Alves, o mapeamento feito em seu livro busca contemplar todas as esculturas públicas de Porto Alegre, mas ele admite que é um trabalho árduo, uma vez que surgem novas obras sem qualquer divulgação pela cidade – ele conta com muitos amigos que o informam quando veem um novo monumento, assim como depredação ou algum desaparecimento. Assim, ele acredita que consegue manter as suas pesquisas sempre atualizadas — apesar de alertar que pode ter deixado passar "o busto do tio de alguém" sem querer.
Com o livro, que não contou com incentivo público, sendo realizado com patrocínio direto da Unimed e com apoio da Sidi Medicina por Imagem, o autor espera que as pessoas se conscientizem mais sobre a importância de preservar as esculturas públicas da cidade e passem a valorizar as obras daqui, assim como fazem quando vão conhecer outros países. Alves também espera que a prefeitura passe a dar mais atenção aos monumentos da cidade, bem como que vereadores legislem para proteger as peças que contam a história da Capital — de acordo com o historiador, o município tem um acervo único e muito numeroso em relação ao tamanho da cidade.
— Temos obras de arte de valor em todas as linguagens. Isso que é importante. Temos estatuária, bustos, monumentos históricos, obeliscos, fontes ornamentais, arte moderna e arte contemporânea, além de cemitérios. Temos de tudo em grande quantidade para uma cidade do nosso tamanho. Um acervo bem numeroso. E é importante contar a história de como essas coisas aparecem, não caem do céu. Tem muita coisa especial aqui, vamos curtir e nos orgulhar — finaliza Alves.