Na noite desta segunda-feira (8), patronos de diversas edições da Feira do Livro de Porto Alegre se reuniram para contar histórias que vivenciaram durante os seus patronados no tradicional evento literário da Capital. Em formato híbrido, Airton Ortiz, Antônio Hohlfeldt, Dilan Camargo, Jeferson Tenório, Maria Carpi e Marô Barbieri recordaram de momentos marcantes em suas trajetórias no encontro literário.
No estúdio, instalado no Memorial do Rio Grande do Sul, estavam Ortiz e Tenório, e, por meio de videochamadas, os demais escritores se descontraíram ao contar os seus causos. Durante a mesa-redonda, chamada Senta que lá vem história, o atual patrono da Feira do Livro, Fabrício Carpinejar, também marcou presença e subiu ao palco para falar sobre a sua experiência.
A primeira do grupo, que integra o Conselho dos Patronos da Feira (Copa), a relatar as suas vivências marcantes foi Maria Carpi, símbolo do evento em 2018. Ela recordou de uma figura “estranha” que andava pela Praça da Alfândega, vestida com uma túnica azul, longas barbas brancas e um saco nas costas. De acordo com ela, o homem perambulava pelas barracas a apareceu em sua sessão de autógrafos.
— Tudo dava a entender que o que ele guardava no saco eram pães e livros, duas coisas que se parecem pela sua finalidade: matar a fome — disse ela.
Maria ainda ressaltou que os participantes da Feira daquele ano começaram a chamar o homem de “O Senhor dos Anéis” e, depois, descobriu-se que ele era um professor que havia virado um ermitão.
— Mas o mais importante é que o mesmo é um personagem de carne e osso, como se ele saltasse dos livros para a Praça — recordou.
Airton Ortiz, que comandava a conversa, reforçou que a Feira do Livro na Praça da Alfândega propicia o encontro destes “personagens típicos e maravilhosos”.
— Para os escritores isso é muito importante, pois estes personagens nos humanizam e a Feira humaniza a cidade — explicou Ortiz.
Para Antônio Hohlfeldt, uma das melhores atrações da Praça da Alfândega são os pipoqueiros que vendem os seus produtos por ali. A história dele foi sobre um dos comerciantes mais antigos do local, que contou para ele que havia escrito “um livrinho” sobre a sua história no local. O patrono de 2007, então, conseguiu, junto a uma editora, com que a obra do vendedor fosse publicada.
— Foi, talvez, a coisa mais legal que aconteceu naquele ano, porque ele não apenas publicou o livrinho, como, também, realizou uma sessão de autógrafos — relembrou.
E, dentro do clima de descontração já presente na conversa, Fabrício Carpinejar chegou ao estúdio, sendo aplaudido pelos seus antecessores e pedindo “benção” para a sua mãe, Maria Carpi, que estava presente via videochamada.
— São muito bonitas as histórias dos patronados. Teve uma leitora ontem na sessão de autógrafos que disse para mim “esse é o primeiro livro que eu vou ler na minha vida”. Ela já estava com uns 40 anos. É chocante e, ao mesmo tempo, comovente. Aceitar que é o seu primeiro livro é, também, um ato de coragem, onde todo mundo quer ser burro, todo mundo mente e não se propõe a saber. Eu fiquei absolutamente desconcertado. O leitor começa a ser leitor escolhe o seu próprio livro, não é quando ele recebe, mas quando ele escolhe e diz “eu quero esse livro”. Foi uma história do patronado marcante para mim — contou Carpinejar.
Marô Barbieri, patrona de 2019, ficou feliz por “encontrar com os amigos” e enfatizou que o grupo dos patronos é de entusiastas da leitura, da palavra e viveu sempre cercado de livros. Ela contou uma história da qual foi testemunha e que considera “muito mimosa”.
— Era uma tarde muito bonita e, quando cheguei na Feira, ventava muito e caíam aquelas florzinhas amarelinhas em cima das pessoas. Eu ia em direção a uma das bancas e eu escutei um rapaz dizendo “são flores em seu cabelo”. Achei que fosse para mim, mas não era. Era ele dizendo para uma moça “está tão bonito o seu cabelo com essas florzinhas” e pediu para retirar as florzinhas. A moça, ficou um pouco constrangida, mas muito agradecida com a atenção do rapaz — contou Marô.
Ela ressaltou que achou o gesto muito bonito e seguiu adiante para se encontrar com alguns amigos no café do Margs e, para surpresa dela, deparou-se no local com o rapaz conversando alegremente com a moça, que carregava algumas florzinhas na mão:
— Eu achei aquilo muito bonito, meiga. A Feira do Livro é um lugar muito encantado
Airton Ortiz ainda explicou que o patrono personifica a Feira do Livro:
— Só quem já foi patrono para ter noção do carinho que a cidade tem pela Feira, pois este carinho desagua todo no patrono. Realmente, é comovente. As pessoas se sentem diante de uma quase divindade.
Patrono de 2015, Dilan Camargo enfatizou que tinha muitas histórias para contar, mas uma das que mais chamou atenção do escritor e o “emocionou” foi quando encontrou uma família de jovens pais que passeava pela Feira do Livro com um bebê no colo.
— O pai e a mãe me apresentaram o bebê e disseram que aquela era a primeira feira dele. Eles disseram “nós queremos receber uma espécie de batizado do patrono dessa edição para o nosso bebê que está iniciando a sua vida de leitor nesta edição”. Foi um momento muito carinhoso e afetivo — relembrou.
Jeferson Tenório, que simbolizou o evento em 2020, na única edição totalmente virtual, por sua vez, recordou que a Feira do Livro foi “fundamental” para a sua formação como leitor, escritor e, também, como pessoa e que a sua primeira visita ao local foi em 1999, “meio obrigado” pelo professor do cursinho pré-vestibular do qual era aluno.
— Ele disse “vocês têm que ir na Feira do Livro, mas vocês não precisam ir lá para comprar livros. Vocês têm que ir lá para ver as gurias, comer pipoca, caminhem lá. A gente não tinha intimidade com os livros — contou.
No entanto, no ano seguinte, Tenório disse que acabou voltando ao evento, mas por sua conta própria e ficou “assombrado” ao participar de uma atividade comandada por Othon Bastos, na qual ele iria recitar poemas do Murilo Mendes, de quem o patrono nunca tinha ouvido falar.
— Eu fiquei espantado, assombrado com o poema do Murilo Mendes, que é o “Jandira”. E acho que comecei a me tornar leitor naquele momento, quando me senti maravilhado com aquele poema — afirmou.
Entre outras histórias, Tenório ainda fez questão de contar que se endividou comprando livro e isso fez com que ele tivesse que deixar a faculdade paga e, depois, ingressasse em uma federal, para que pudesse continuar comprando as obras. Ele ainda disse que se apaixonou, desfez relacionamentos e, também, na Feira do Livro, fez o contato para que conseguisse publicar o seu primeiro livro, O Beijo na Parede.
— Jamais passou pela minha cabeça, lá em 1999, quando entrei pela primeira vez na Feira do Livro, que u um dia eu seria patrono dessa feira maravilhosa — reforçou.
Finalizando, Airton Ortiz trouxe uma história hilária do seu patronado, em 2014. Durante o evento, uma Feira do Livro do interior o convidou para fazer uma palestra, mas o escritor não queria se ausentar de Porto Alegre durante o encontro literário da Capital. Os organizadores do outro evento, então, ofereceram um carro da prefeitura da cidade para o buscar e o levar de volta no mesmo dia, fazendo-o, então, aceitar a ida.
— No dia, o prefeito precisou viajar e não tinha mais o carro. Aí, gurias me ligaram e disseram “olha, teve um desastre aqui perto da cidade e o carro fúnebre está levando um corpo para Porto Alegre e volta depois. O senhor se incomoda em vir no carro fúnebre?”— recordou o escritor, dizendo que não se importava e que iria fazer essa “loucura pelo livro”.
Segundo ele, o carro chegou na frente de sua casa bem na hora que a empregada estava chegando e o motorista perguntou se era ali que o Airton Ortiz morava e se ela podia o chamar, porque havia ido até ali buscar ele.
— Ela entrou em casa, branca, e disse: “Seu Airton Ortiz, tem um rapaz aí na frente e disse que veio lhe buscar, mas se eu fosse o senhor, eu não ia” — contou, arrancando gargalhadas dos colegas.
A Feira do Livro de Porto Alegre funciona até o dia 15 de novembro.