Não é comum encontrar alguém que tenha conversado de perto com Gilberto Gil, Elis Regina, Caetano Veloso, Belchior, Rita Lee, Tom Jobim e Chico Buarque. Uma das raras pessoas que tiveram o privilégio de ter esse contato com a história da MPB foi o jornalista Juarez Fonseca, que completou recentemente 50 anos de carreira e está lançando o livro Aquarela Brasileira (Diadorim, 304 páginas), no qual eterniza as suas entrevistas realizadas com esses — e outros — ícones da música do país.
A obra será lançada na próxima sexta-feira (5), a partir das 19h, na Livraria Bamboletras (Rua Lima e Silva, 776). Também contará com uma sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre (Praça da Alfândega, s/nº), no dia 11 de novembro, às 17h30min. Com 28 entrevistas realizadas nos anos 1970 — das quais 26 foram publicadas originalmente em Zero Hora —, o livro é o primeiro volume de uma série de que reúne o acervo de Fonseca e que será dividida por décadas.
— Este é um livro para quem se interessa pela música brasileira e, neste caso, também pelos anos 1970, quando as coisas proliferaram com muita força. Foi uma época de consolidação dos chamados festivais de música e que revelaram nomes que ainda se mantém em evidência na música brasileira — explica Fonseca. — Ao mesmo tempo em que tinha a ditadura, também existia uma riqueza fantástica na música brasileira. Muitos artistas, como Chico Buarque e Gonzaguinha, entre muitos outros, tiveram problemas com músicas censuradas. E, mesmo assim, esses caras estavam criando. E havia dribles na ditadura. No disco Sinal Fechado, o Chico cria o personagem chamado Julinho da Adelaide, que seria um sambista de morro, para cantar coisas que, se fosse o Chico, seriam censuradas — recorda Fonseca.
De perto
A primeira das entrevistas deste primeiro volume de Aquarela Brasileira é com Gilberto Gil. Realizada em 1972, o bate-papo foi publicado no jornal Exemplar, editado pelo Clube do Professor Gaúcho. Porém, não foi realizado de maneira convencional. O músico, que estava na Capital para um show, foi levado, em um Fusca dirigido por Sônia, esposa do jornalista, até o apartamento dos dois, no centro de Porto Alegre. Por lá, aconteceu a longa conversa.
— Não tinha, naquela época, ainda, esse negócio do politicamente correto. Mas, ao mesmo tempo, não tinha o politicamente incorreto — comenta Fonseca. — No livro, tem ditadura, abertura, pessoas criando coisas, falando coisas, querendo descobrir coisas. A entrevista com o Ney Matogrosso, por exemplo. Hoje, é normal falar abertamente de homossexualidade. Mas, naquela época, não era. E ele falava.
Contratado pela Zero Hora na época — hoje, é colunista do jornal e de GZH —, Fonseca, um aficionado por música, relembra que queria entrevistar cada artista que chegava para fazer show em Porto Alegre, “saber o que o cara estava pensando”.
— Assim como o Gil, o Belchior também entrevistei na minha casa. Era uma conversa de pessoas da mesma geração, que tinham inquietações parecidas. Eu sou muito jornalista, mas eu era jornalista também do lado de lá, do lado da música. Então, eu nunca fui isento neste sentido, nunca fui neutro, sempre fui parceiro. Então, quando eu entrevistava o Gil, eu era parceiro do Gil, quando entrevistava o Raul Seixas, eu era parceiro do Raul Seixas — revela.
Dentre as 28 entrevistas do livro, Fonseca diz que não consegue escolher qual é a sua favorita, mas destaca duas: a com Gil, que abre a obra, e a última, com Tom Jobim e Chico Buarque. Esta, ele realizou depois de uma “manobra” para reunir a dupla em um lugar “meio secreto”, na antiga boate do hotel Laje de Pedra, em Canela.
— Eles nunca tinham dado entrevista juntos. E nunca mais deram. E a primeira e a única entrevista dos dois juntos. São dois ícones absolutos da música brasileira e eu consegui reunir os dois. Acho que essa é uma coisa fantástica, que eu considero bem importante dentro dessa história de entrevista — recorda.
Elis
Quem ler Aquarela Brasileira vai notar que, para compor a obra, foram selecionadas duas entrevistas com Elis Regina, cantora porto-alegrense que se tornou um ícone nacional. De acordo com o jornalista, a decisão de colocar ambas as “pingue-pongues" — formato com perguntas e respostas — foi para mostrar como a artista havia mudado em três anos que separam um encontro do outro.
— A última entrevista que fiz com ela foi uma coisa bem pesada, porque ela estava em um momento bem pesado — conta Fonseca.
O jornalista, que foi próximo da artista, pretende, também, lançar um livro exclusivo sobre suas interações com Elis. Nele, o autor pretende reproduzir as entrevistas que fez com ela, além de comentários sobre discos e matérias que não foram em formato pingue-pongue.
— Quando a gente se conheceu, bateu direto uma empatia, que foi até o fim. Ela esteve em Porto Alegre pela última vez em setembro de 1981, cantando pela primeira vez no Gigantinho. Entrevistei ela longamente naqueles dias que ela veio para fazer esse show. Em dezembro, ela me escreveu uma carta, grande, comentando que a gente deveria se ver mais, se falar mais. Mas eu nunca respondi, porque ela morreu em seguida, em janeiro — relembra.
Entre os vários encontros dos dois, um deles gerou uma recordação que Fonseca guarda até hoje: a letra de Saudade dos Aviões da Panair (Conversando no Bar), canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, escrita em uma lauda da Zero Hora por Elis e entregue para o jornalista em um ensaio da cantora, que interpretava a música em seus shows.
— Eu ouvi no ensaio e fiquei chapado, porque achei uma música fantástica. Pedi para ela botar a letra na lauda e até hoje eu tenho, com a letrinha dela. Uma letra de normalista, super bonitinha, redondinha, regularzinha — conta.
Os próximos
Fonseca que, em suas cinco décadas de atuação como jornalista, realizou 130 entrevistas longas, não apenas com personagens da música, mas, também, da cultura brasileira, como o cineasta Glauber Rocha e o escritor Caio Fernando Abreu. E, em cada volume dos seus livros, terá também entrevistas-bônus de outras épocas, um artifício usado pelo autor para não ficar preso à década de cada volume.
Para os próximos livros, o autor irá explorar as conversas que teve com os artistas que foram surgindo ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000. E, para fechar a série de entrevistas, ele pretende ter um bate-papo novamente com Gilberto Gil, cinco décadas depois da primeira.
— Vou fazer uma entrevista grande com ele — promete.
Aquarela Brasileira está em pré-venda no site da livraria Bamboletras.