A menina nem passou muito tempo na internet, como aconteceu com muitas crianças durante a pandemia. Ainda assim, o pai, Jonas Lisboa, 40 anos, fez questão de sair de Barão do Triunfo, a 96 quilômetros da Capital, para que a filha Lidiana, oito, escolhesse algo para ler entre as diversas opções recém desencaixotadas nesta sexta-feira (29), primeiro dia da 67ª Feira do Livro de Porto Alegre.
Como Lidiana recém se alfabetizou, Jonas tomou cuidado para que o tempo a mais dentro de casa também fosse gasto em leituras. Ela não gosta tanto assim de ler - justifica dizendo que começou há pouco -, mas olhava com curiosidade para as obras expostas em uma das bancas da área infantil, a primeira a ser inaugurada, como é tradicional.
- Eu tô começando agora a ler bastante livro. Já li "Pinóquio" - diz Lidiana, garantindo que, desde que aprendeu a reconhecer as letras, desfruta de um livro por dia, em média.
Professor de Ensino Religioso, Jonas é afeito aos livros. Prestigiou a edição anterior da feira, que foi toda virtual por causa da pandemia, acontecimento único na história do evento, que sempre ocorreu na Praça da Alfândega desde seu surgimento, em 1955. Mas poder caminhar entre as bancas, pegando um livro na mão e folheando suas páginas, é outra experiência.
- Embora a gente use e precisa da internet, nada se compara ao papel, ao tocar - diz.
São 56 bancas de associados, oferecendo livros infantis, juvenis e adultos, o que representa apenas 60% dos expositores que participaram da edição de 2019, antes de o coronavírus chegar. A expectativa de quem montou seu estande é alta. Para alguns, a edição virtual foi fraca, ainda mais triste por causa de uma crise sanitária provocando mortes. Segundo o dono da Ame Livros, o escritor de literatura infantil e juvenil Antônio Schimeneck, a maioria dos gaúchos não tem o hábito de comprar livros pela internet, e prefere ir até a loja para escolher um título.
- Só para tu ter uma ideia: no ano passado, no último dia da feira, que costuma ser o dia que mais vende, vendemos apenas um livro. Só por aí tu pode ter uma ideia do que foi o faturamento - diz Schimeneck.
Houve quem nem tentou se aventurar nas vendas virtuais. Trabalhando com livros desde 1955, quando foi auxiliar da extinta livraria do Globo, Jussara Martins preferiu ficar parada. Proprietária da banca Nunes Martins, que há 20 anos participa da Feira do Livro, diz que só sabe vender olhando no olho.
- Nosso diferencial é o atendimento, é o boca a boca. No online, temos concorrentes fortes.
Para Gilmar Cassol, dono da Cassol Livros, que participa da área infantil da feira desde 2007, a edição virtual foi melhor do que o esperado. Quando soube que as vendas aconteceriam só pela internet, fez um cálculo e criou o objetivo de lucrar cerca de R$ 30 mil. A meta, por alegria, foi superada: conseguiu R$ 40 mil, metade do que costuma obter a cada ano oferecendo livros direto na mão dos clientes.
- Estamos de volta à praça. Depois de tudo o que aconteceu com a cultura, as escolas fechadas... Não é para estar feliz?
Ganhador do Prêmio Açorianos de Literatura, em 2018, e finalista do Jabuti, em 2019, com Horas Mortas, Antônio Schimeneck incentiva que as pessoas circulem pela feira, mantendo os cuidados para não se contagiar. É uma forma, diz ele, de prestigiar a literatura e todo setor cultural no país.
- A gente lê para ser mais humano. Em matéria de humanidade, no Brasil, estamos a zero.
A área infantil da Feira do Livro conta com oito bancas e oferece contação de histórias presencial, em um espaço aberto junto à Praça da Alfândega. As escolas participam somente mediante agendamento, mas as famílias podem chegar com as crianças espontaneamente - no caso de uma turma estar sentada ouvindo uma história, a criança aguarda a sua vez, para que não haja aglomeração.