É tempo de garimpar nos balaios. Sentir o cheiro de pipoca. Cumprimentar amigos ou meros conhecidos. Ouvir a voz do alto-falante. Espiar uma banca despretensiosamente e sair com um mimo de que você nunca pensou que precisasse, mas que pode revirar a sua vida. Após uma edição digital em 2020, a Feira do Livro de Porto Alegre volta à Praça da Alfândega a partir desta sexta-feira (29).
A 67ª edição do evento será realizada em formato híbrido até o dia 15 de novembro, sempre das 12h30min às 19h30min — a área infantil abre antes, às 10h. Na praça, o público encontrará as bancas de livreiros e estandes, entre outras atrações. Também haverá sessões de autógrafos, embora reduzidas e espaçadas, mas ainda trazendo a possibilidade de o leitor conhecer ou reencontrar os seus escritores favoritos.
Poucos dias antes da Feira ter início, um problema foi resolvido: inicialmente, a Câmara de Vereadores decidiu não apoiar o evento deste ano, o que geraria uma baixa de quase R$ 50 mil no orçamento do evento e incerteza quanto à instalação de cobertura para a chuva em todas as bancas. Nesta semana, a Câmara Rio-grandense do Livro (CRL), organizadora do encontro, obteve o patrocínio de uma empresa privada, o que garantiu a cobertura. Na última quarta-feira (27), o legislativo voltou atrás e decidiu destinar recursos para a realização do evento. O aporte será de R$ 25 mil, metade do valor que constava no primeiro pedido.
— Depois de dois anos de medidas restritivas de circulação e com a grande maioria da população vacinada, é um alento a Feira do Livro poder voltar à praça. Acreditamos que para o público também. As pessoas estão carentes de afetos e de encontros, e a Feira é isso — destaca o presidente da CRL, Isatir Bottin Filho.
Um estúdio montado no Memorial do Rio Grande do Sul irá transmitir encontros virtuais com escritores nacionais e internacionais — o que inclui nomes como Bernard Cornwell, Alice Walker, Jo Nesbø e Djamila Ribeiro — e mesas-redondas mediadas por jornalistas e outros produtores de conteúdo. As lives poderão ser acompanhadas ao vivo pelo site da Feira. A maioria dos convidados participará a distância, com os mediadores do encontro dentro do estúdio na Capital. Assim como no ano passado, o público poderá acessar as lojas virtuais dos expositores.
A cerimônia de abertura será fechada, com transmissão também pelo site da Feira, nesta sexta (29), às 17h. Depois, às 18h, a escritora norte-americana Alice Walker participará a distância da live "Jardins, flores e raízes da cultura negra", com mediação da jornalista e escritora Fernanda Bastos. Walker é autora do romance A Cor Púrpura (1982), adaptado para o cinema por Steven Spielberg em longa de 1985 com o mesmo título, estrelado por Danny Glover, Whoopi Goldberg e Oprah Winfrey.
O escritor e colunista de GZH, Jeferson Tenório, foi o patrono da edição passada — nesta edição, o homenageado é Fabrício Carpinejar. Ele lembra que, embora a Feira tenha sido distante da praça naquela ocasião, houve um contato muito afetuoso com o público no digital. As conversas e reflexões chegaram a mais pessoas, como frisa Tenório. O escritor, que participará de uma live com outros patronos (8/11, às 19h30min) e vai autografar O Avesso da Pele (7/11, às 16h, na Praça de Autógrafos), aponta que a Feira deste ano marca um sentimento de recomeço:
— Ainda não terminou a pandemia, mas me parece que é um modo de reencontro. Um momento de alegria, mesmo que seja um pouco contida. A Feira não é só os livros, mas o encontro dos leitores e escritores. Somos seres gregários, precisamos da presença do outro.
Outro escritor que encontrará o público na praça é Eliandro Rocha. Natural de Sapucaia do Sul e morador de Portão, ele vai autografar cinco livros infantis (10 e 13/11, sempre às 16h, na Praça de Autógrafos). Para Rocha, os encontros na Feira servem para mostrar que a leitura não se atém a um suposto estigma elitista.
— É uma oportunidade de mostrar o quanto o livro é popular, que o autor é real. Para que tenhamos a leitura como algo cotidiano na nossa rotina, que não seja apenas um objeto para uma elite, mas para todo mundo — diz o escritor.
Da parte dos expositores, a expectativa para voltar à praça é alta. A livreira Rosa Luizelli, 70 anos, relata que seus clientes vivem repetindo que têm sede de contato com o livro, desde os mais velhos até os de 14 anos. Ao lado de sua filha Gabriela, Rosa é proprietária da Livraria Aurora, especializada em títulos usados. O estabelecimento foi fundado em 1956 e costuma marcar presença na Feira.
— Sempre foi uma forma de a livraria se mostrar ao público. É como se cada Feira fosse o aniversário do livro, o que faz de cada edição uma festa. A praça com jacarandás, ao ar livre. Acho que é uma coisa que mexe com a gente — reflete Rosa.
Para os frequentadores, a volta da Feira à praça também é especial, por todas as lembranças que o evento pode representar. A jornalista Tânia Carvalho que o diga. Presente desde as primeiras edições, acumula memórias afetivas da praça. Lembra com carinho, por exemplo, dos passeios de barraca em barraca que realizava com seu amigo Tatata Pimentel ("Aprendi muito com aquele velho sem-vergonha"). Ela participará de uma live com Carpinejar, Jeferson Tenório e os jornalistas Roger Lerina e Domício Grillo (6/11, às 16h). Sobre o retorno ao evento presencial, antecipa que será emocionante:
— Tenho medo de ficar chorando (risos). Vai ser grandiosa e muito sensível a Feira neste ano com todos esses reencontros. Já sou ansiosa e estou mais ansiosa ainda com essa expectativa. Vontade de fazer eu mesma uma barraquinha lá só para ficar sentada recebendo os amigos (risos).