
Eleito patrono da 67ª Feira do Livro de Porto Alegre, Fabrício Carpinejar comentou com GZH sobre a homenagem e sua relação com o evento. O anúncio foi realizado na manhã desta segunda-feira (27). A Feira volta a ocupar a Praça da Alfândega este ano, com formato híbrido, entre os dias 29 de outubro e 15 de novembro. A Câmara Rio-Grandense do Livro divulgará mais detalhes da programação no mês de outubro.
Natural de Caxias do Sul, Fabrício Carpi Nejar é poeta, jornalista e professor. Filho dos poetas Maria Carpi e Carlos Nejar, ele passou a assinar unindo os sobrenomes dos pais desde a publicação de seu primeiro livro, As Solas do Sol (1998). De lá para cá, Carpinejar acumula 47 livros publicados entre poesia, crônicas e publicações infantojuvenis. Segundo o escritor, suas publicações contabilizam mais de 750 mil exemplares vendidos.
Entre os prêmios que Carpinejar recebeu ao longo de sua trajetória está o Prêmio Nacional Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasileira de Letras, em 2003, para o livro Biografia de uma Árvore. Ele recebeu o Prêmio Erico Verissimo, em 2006, concedido pela Câmara Municipal de Porto Alegre pelo seu conjunto da obra. Sua coletânea Canalha! venceu o Prêmio Jabuti, em 2009, na categoria Contos e Crônicas. Ele voltaria a ser premiado em 2012, com Votupira, o Vento Doido da Esquina, que ficou em terceiro lugar na categoria Infantil.
Em quatro ocasiões recebeu o Açorianos de Literatura: em 2001, com Um Terno de Pássaros ao Sul, na categoria Poesia; no ano seguinte, ele voltaria a receber o mesmo prêmio por Terceira Sede; em 2010 e 2012, ele foi agraciado na categoria de Crônicas, respectivamente, por Mulher Perdigueira e Borralheiro — Minha viagem Pela Casa.
Carpinejar, que já foi colunista de GZH e comentarista da Rádio Gaúcha, atualmente escreve para o jornal mineiro O Tempo e comenta no programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo. Ele também ministra o curso Jornada Escrever é Poder, em que trabalha com o conceito de Escrita Curativa. De acordo com Carpinejar, mais de 300 mil alunos já passaram por seus cursos e palestras.
Ao comunicar-se com diversas mídias, Carpinejar se estabeleceu como uma figura pop, que transcende a literatura. Com seu discurso bem-humorado — em alguns momentos, intimista e visceral —, ele se aproxima de milhões de leitores e espectadores.
Como foi receber a notícia ter sido escolhido patrono da Feira do Livro de Porto Alegre?
Eu fui pego absolutamente desprevenido. Quando recebi a ligação do Isatir Antonio Bottin Filho, pensei que fosse algo relacionado à sessão de autógrafos. Alguma atividade. Quando ele me contou, nossa! Essa história de demorou cair ficha... Caiu a ficha na hora! Eu sou de uma família de escritores, não há maior prêmio do que o patronato na Feira do Livro. Não há maior prêmio do que ser amado na sua terra.
Era um sonho antigo, não?
Em casa, a gente convivia com patronos. Com Mario Quintana, com Caio Fernando Abreu, com Erico Verissimo. Então, tinha uma dimensão de empíreo, de altura. Quando recebi a notícia, o que eu senti foi vertigem!
Vertigem?
Para mim, é muito significativo isso. Todo mundo tem as suas façanhas pessoais. As suas guerras particulares. Fui uma criança que teve tanta dificuldade de alfabetização. Ter chegado a esse posto, é quase inexplicável. Aconteceu cedo na minha vida, não esperava que fosse por agora, mesmo tendo sido indicado outras seis vezes.
Você já conversou com sua mãe? O que foi que ela te falou?
Incrivelmente, a minha mãe soube guardar segredo! Almocei com ela hoje. Foi nosso primeiro almoço depois de dois anos...
Duplamente especial esse almoço, então.
Foi! Ela queria comer picanha com gordura! “Mas é o melhor!!!”, dizia. Aí eu fiquei como o pai da minha mãe, cortando a carne para ela não comer com gordura. A vida como ela é (risos).
Ela deve ter ficado muito feliz.
Sim! Aí é mãe. É capaz de ter ficado mais feliz comigo como patrono do que com ela (risos).
Como é a sua relação com a Feira do Livro de Porto Alegre?
O melhor período da minha vida em Porto Alegre é a Feira. Sempre acontece logo depois do meu aniversário, que é 23 de outubro. Para mim, é como Copa do Mundo. Meu primeiro livro eu autografei na Feira. Estou autografando lá desde 1998, e nunca faltei um ano, com exceção do ano passado. Sempre estive lá. Não há pôr do sol mais bonito e chegada de noite mais bonita do que na Feira. É no coração da Praça da Alfândega, junto do cais, é um ambiente mágico. Parte da minha biblioteca é formada da feira, pelo saldo, pela garimpagem. É algo que a gente precisa retomar este ano: fazer a lista para comprar na Feira.
Na sua fala durante o anúncio, você destacou a importância dos livreiros. O quanto é importante apoiar esse setor?
O livreiro repassa a dica de um livro com a sua história de vida. Com a sua emoção. É o melhor Google que existe. Ele vai indicar aquilo que fez bem para ele. São prefácios falados. Eles sabem criar um suspense para você ler um livro. E todo mundo está com a sua fraqueza exposta, é importante esse diálogo curativo. Converse com o livreiro! Pergunte! Diga aquilo que você quer ou gosta de ler. Partilhe sua afinidade. Chegamos a um momento de retorno ao afeto, ao artesanato da ternura. O quanto vamos valorizar esse momento de proximidade, o quanto temos saudade desses encontros. E digo mais: será a maior Feira do Livro de Porto Alegre! Todo mundo está morrendo de saudade. Vamos ressuscitar de saudade do tanto que morremos de saudade.
Este ano, o tema da Feira é “Para ler um novo mundo”. Então, vai ser a maior de todos os tempos?
Eu acho. Pela coragem, pela valentia. Por ter 50 heroicos livreiros lá na praça, apesar de tudo. É importante apoiar e patrocinar essa feira. Estamos decidindo o destino dela. É um patrimônio espiritual de Porto Alegre, tem a ver com o temperamento do Rio Grande do Sul. Não há outra em nenhum lugar. Demoramos tanto para criá-la. Devemos cuidar para que permaneça.
Como você pretende marcar sua passagem como patrono? Que tipo de debate você gostaria de propor ou ao que você gostaria de trazer visibilidade?
A alegria como resiliência. A nossa capacidade de rir para conseguir se reinventar. Eu sou um poeta que ri.
Já dizia o Paulo Gustavo que “rir é um ato de resistência”...
Exato! É alegria dos pequenos gestos, da gentileza, da cordialidade. Destacar o que é positivo. Abrir espaços. Apostar nessa cumplicidade que a gente pode alcançar com o livro. Quantas amizades começam a partir da leitura de um livro? Quantos amores não começam? É trazer essa dimensão afetiva do livro como encontro. Todo mundo teve alguma perda. Todo mundo irá para Feira com uma asa manca, ferida. Com algum luto. O meu papel é ser plástico bolha.
Plástico bolha?
Porque sei que estou lidando com cristais em um momento tão difícil. Cada pessoa é um cristal. Quero cuidar.
Na coletiva, você mencionou que todo mundo tem uma lembrança favorita e inesquecível da Feira. Qual é a sua memória favorita do evento?
Sempre foi um espaço com muita gente. Lembro que quando tinha oito anos, me perdi na Feira. Mas, na verdade, me encontrei. Fiquei numa barraquinha, observando a venda de livros, e achei aquilo o máximo! Me senti guardado para os meus pais. Faz muito bem andar por aquele espaço. É outro cheiro que fica na cidade. Cheiro do chimarrão, da pipoca, do algodão doce. É como se fosse uma biblioteca olfativa única.