“Havia certa vez uma pessoa mágica chamada Bárbara Catarina, que morava em um castelo muito bonito, chamado Castelo de Bárbara Catarina. Desde as janelas do alto, a pessoa mágica podia ver o mundo, sobretudo a praça da Alfândega, que virava um lugar mágico e especial: uma vez por ano ela estava lá pois ela amava aquele lugar, amava de todo o coração.”
É assim que se inicia o conto de Simone Saueressig, As Aventuras de Bárbara Catarina, escrito para a contadora de histórias, que o interpreta com emoção e eloquência em um vídeo publicado no YouTube, única plataforma em que a obra está disponível. Aos 50 anos, Bárbara Catarina é figura conhecida na Feira do Livro de Porto Alegre.
A formação dela é fruto do amor pelo teatro e pela literatura. Já atriz, certa vez Bárbara se encantou com a performance de Lígia Rigo em um evento, que vestida de maneira simples, contava histórias para espectadores atentos.
— Até então, eu achava que a Lígia era só atriz — comenta. — Eu queria saber de quem eram aquelas histórias! E aí ela me falou que eram do Ítalo Calvino e me emprestou o livro dele. Eu fiquei apaixonada! Fábulas italianas, nossa! Foi uma Bíblia para mim. Até hoje eu tenho esse livro.
O conto sobre a história de Bárbara, no entanto, traduz para a linguagem infantil o momento difícil de luta pela vida após ela se contaminar com o coronavírus. Simone o escreveu para ajudar na recuperação da colega, doando a ela os direitos autorais do texto.
— Ela é uma guerreira e tanto, como a gente pode ver pelo vídeo. Eu sou uma escritora, achei que poderia fazer alguma coisa por ela. Daí escrevi esse continho que ela conta, que é para ela ir se recuperando — comenta a autora. — É uma metáfora para tudo o que aconteceu com ela.
Após perder o pai, em um lapso de tristeza e com a imunidade baixa, a contadora de histórias se descuidou e nas cerimônias de despedida do familiar, acabou ficando sem máscara.
— Eu estava muito fragilizada e fui inconsequente — relata.
Dias depois, Bárbara conta que já apresentava tosse, dor no peito, febre e falta de ar. Foi tudo muito rápido, de acordo com ela. Em três dias, ela foi internada e logo depois entrou em coma por conta de complicações da doença. Seu estado grave exigia que ela permanecesse na UTI. Fragilizada por conta do pulmão comprometido em 70%, Bárbara também teve pneumonia. O coma, de acordo com ela, durou cerca de três meses, período em que acabou ficando com escaras pelo corpo e sofreu um AVC, uma parada cardíaca e teve de lutar contra um quadro de hemorragia. Emocionada, ela conta que nem neste momento as histórias a abandonaram e narra parte dos sonhos que teve durante o período inconsciente.
— Enquanto eu estava em coma, eu vivi muitas aventuras — relembra, afirmando que quando acordou, foi difícil distinguir o que era sonho e o que era realidade. — Eu acreditei que estava na Venezuela e que tinha sido traficada para tirarem o meu sangue. E eu falava em espanhol com os atendentes: "Ayúdame, ayúdame!" (Me ajude, me ajude!).
A imaginação fértil, que permaneceu acesa durante a fase, levou Bárbara da Venezuela até Paris para se hospedar e trabalhar na casa do cantor Fábio Jr.
— Mas em todos os sonhos eu sempre sentia dor, sofria um acidente… Eram as dores que eu estava sentindo no corpo.
A sua força veio, no entanto, da lembrança do filho Gabriel, 22 anos. Em seus devaneios, ela sempre estava acompanhada ouvindo alguém que dizia que ela venceria essa batalha. Nesses momentos, ela pedia para voltar para casa junto do jovem. Em uma consulta final, ao ser questionada por um neurologista sobre sua profissão, Bárbara conta que ficou em silêncio por alguns segundos, mas logo falou com orgulho:
— Contadora de histórias! Eu achei que ele ia fazer uma brincadeira, mas ele me olhou e disse: “Então a senhora deve ler muito”. Eu disse que sim, que leio muito, e ele disse: “Então quero lhe informar que seu corpo foi todo afetado pela covid, mas o seu cérebro está intacto” — conta, emocionada.
Bárbara ficou com sequelas da doença. Agora, aprende todos os dias a viver com as novas condições: perdeu 80% da audição, teve de começar a usar óculos e está com o lado esquerdo do corpo paralisado. Suas novas limitações, no entanto, não a desanimam. Com ajuda financeira de amigos, faz fisioterapia para recuperar os movimentos e tem uma cuidadora para suas necessidades diárias. Virtualmente, a contadora de histórias segue encantando crianças com sua interpretação envolvente.
— Eu lutei muito para estar aqui de volta, porque eu gosto muito da vida. Eu quero viver! — finaliza.