É com o gosto doce e saudoso da infância que se encerra a leitura de O Jovem Arsène Lupin e a Dança Macabra (editora Avec, 128 páginas, R$ 29,90), da escritora gaúcha Simone Saueressig. Lançado próximo da estreia da segunda parte da série da Netflix inspirada no clássico personagem de Maurice Leblanc, a autora passou para o papel anos de admiração pelas aventuras do Ladrão de Casaca, dedicando-se a imaginar sua infância e adolescência em uma narrativa prazerosa.
Simone, nascida em Campo Bom, atualmente mora em Novo Hamburgo e divide seu tempo entre escrever e ministrar aulas de balé. Tem mais de 35 livros publicados, boa parte deles voltada ao público infantil e infantojuvenil, como é o caso de O Jovem Arsène Lupin e a Dança Macabra.
A autora conta que o primeiro contato com Lupin se deu em uma visita à casa dos padrinhos. Um dos filhos deles havia lhe perguntado se conhecia as histórias, em uma tentativa de atrair a atenção da jovem.
— Eu fiquei encantada com esse personagem cheio de charme. Gostei muito da forma como o livro está construído: você pode ler como contos ou como se fosse uma narrativa única — diz Simone, em referência à coletânea de contos As Oito Pancadas do Relógio, sua primeira leitura das histórias do Ladrão.
Em O Jovem Arsène Lupin e a Dança Macabra, Arsène Lupin — aqui chamado de Raoul D'Andrèzy — demonstra coragem e bravura ao enfrentar desafios para desvendar mistérios que colocam em risco a vida de seus conhecidos. O personagem, que na trama de Simone tem por volta de 13 anos, ainda se identifica pelo primeiro nome de batismo, uma das possibilidades citadas por Maurice Leblanc em sua obra. O próprio autor dos originais, no entanto, não define qual seria o verdadeiro nome do personagem, conforme explica Simone em suas observações ao final do livro.
Foi extenso o cuidado para manter as similaridades entre o Lupin de 13 anos e o personagem adulto de Leblanc. No entanto, é possível verificar que o jovem ainda é indeciso sobre seu futuro e está descobrindo suas habilidades. O futuro Ladrão de Casaca já se destaca por sua inteligência memorável e observação acima da média, mas ainda mantém certa inocência própria da juventude e, por isso, pode parecer mais vulnerável do que o sagaz protagonista clássico.
Para a criação da versão adolescente de Lupin, Simone buscou referências nas leituras dos contos de Leblanc, mas procurou conferir ao personagem o processo de formação de identidade pelo qual todos passam nesta fase da vida.
— Tentei construir um Lupin que ainda não sabe quem quer ser, nem quem será, mas que tem algumas ideias — observa. — Ele é corajoso e alegre, um otimista rematado, mas também tem um lado sombrio com o qual precisa lidar, aliás, como todos nós. Ele não sabe algumas coisas que parecem óbvias ao Lupin adulto: ninguém nasce sabendo. Ele ainda precisa aprender a se defender fisicamente, por exemplo, e nessa primeira aventura também aprende a força que a palavra e a verdade podem ter em determinados momentos.
Simone fez uma pesquisa extensa sobre o passado do protagonista, reunindo informações do que conseguiu captar nos contos clássicos. Tentando ser o mais fiel possível às histórias originais, a autora não deixou de fora personagens relevantes para a trama, como Victoire, a mulher que criou Lupin. Ainda assim, inseriu à sua narrativa uma alusão à situação brasileira da época: João, amigo do jovem, é uma criança negra, filha de pais escravizados no Brasil, país em que nasceu. Seu sonho é comprar a alforria dos parentes, empreitada na qual Lupin promete ajudar.
Apesar da referência breve ao Brasil, a narrativa descreve Paris em detalhes: de monumentos antigos a ruas hoje excluídas do mapa da cidade. A grande aventura, inclusive, gira em torno dos famosos túneis subterrâneos do local e suas catacumbas. As descrições do ambiente ganham um toque ainda mais sombrio com a referência à obra musical de Camille Saint-Saëns, que acompanha a trajetória do adolescente em suas andanças e cuja composição Dança Macabra inspirou o título do livro.
O plano da autora é dar continuidade às aventuras do jovem Lupin, que já estão ganhando estrutura em sua mente:
— Algo a ver com cofres explosivos, documentos importantes e a coroa de ferro de um território chamado Araucânia, historicamente localizado na Patagônia. E, sim, esse é um tema que, como o subterrâneo de Paris, tem eco na atualidade. Ah, e me parece que uma senhorita de nome Josephine irá aparecer... Provavelmente disfarçada e com outro nome. Mas ela nunca foi de confiança, a danada — brinca Simone.