“Você quer brisa? Vai escutar poesia / Toda quarta-feira ainda tem Cooperifa”, canta Criolo na música Vasilhame, que compõe o álbum Ainda Há Tempo, de 2006. Agora, 15 anos depois, tanto o autor da letra quanto um dos fundadores da Cooperifa — iniciativa que leva literatura à periferia de São Paulo—, o poeta e ativista social Sérgio Vaz, estarão na 13ª edição da FestiPoa Literária, que começa nesta quinta-feira (13) e vai até dia 17. Em um modelo totalmente virtual, o evento será transmitido gratuitamente pelo canal do festival no YouTube.
Sérgio Vaz e a escritora Ana Maria Gonçalves serão os homenageados no evento literário, que é um dos principais de Porto Alegre — e, pelo novo modelo, poderá ser visto de qualquer parte do mundo. De acordo com a curadoria da FestiPoa, a programação foi pensada para abordar temas como o caráter político da arte em meio à pandemia, o racismo, o feminismo e a coletividade artística.
Por isso, Criolo, que tem uma forte ligação com a Cooperifa, será um dos mais de 50 participantes desta edição. Juntam-se a ele nomes como os dos escritores Jeferson Tenório, Lira Neto, Itamar Vieira Junior e Conceição Evaristo, além do ator Antônio Pitanga e da cantora Teresa Cristina. Criolo e Vaz protagonizarão um bate-papo sobre as suas trajetórias na poesia e no rap a partir da periferia de São Paulo.
— Nossas mentes estão sempre em alta rotatividade, pensando o Brasil através da arte e refletindo sobre o momento atual, com pandemia, morte e tristeza, mas também com resistência — conta Vaz. — Alguém já disse que, de todos os ódios, o pior é o da ignorância contra o conhecimento, que é o que estamos vivendo.
Por isso, Vaz acredita que iniciativas como a FestiPoa são essenciais para ajudar a disseminar a leitura para a população, que precisa se armar com livros para entender e enfrentar o mundo como ele está hoje:
— É muito importante para mim ser homenageado em um evento como esse, que vai nos conectar para reunir pessoas que, juntas, vão reconstruir o país.
O cofundador da Cooperifa, por sinal, acredita que a iniciativa de levar o evento para a internet, uma vez que a pandemia não dá sinais de enfraquecimento no Brasil, é ótimo para que o público tenha acesso a escritores e artistas que não fazem parte do mainstream, mas que precisam ter as suas vozes ouvidas:
— Os artistas convidados são maravilhosos, pois eles vão para o confronto em busca dos leitores, seja nas periferias, nas escolas ou nos botecos. A resistência literária estará presente na FestiPoa.
Para Ana Maria Gonçalves, a arte, nos últimos tempos, vem sendo atacada e diminuída. Por isso, ela acredita que eventos como a FestiPoa servem como uma luz neste momento difícil pelo qual o mundo está passando:
— Durante o isolamento, foram os livros, os filmes e a música que nos salvaram. E isso mostra a importância das artes para a sociedade. Ser homenageada em uma ocasião que tem a literatura como elo é gratificante.
Narradora
A sua obra Um Defeito de Cor será um dos condutores do encontro virtual e, sobre isso, ela conta que se sente honrada, uma vez que o livro é um monólogo escrito por uma mulher negra:
— Fiz questão de colocar uma das vozes menos escutadas ao longo dos tempos para ser a narradora do livro, para que o leitor tivesse que se sentar e se acostumar com aquela história.
Neste ano, a FestiPoa, que é uma iniciativa cultural independente, contará com uma série de participações especiais — inclusive, a recém-confirmada presença do rapper Emicida. E entre os debates, cursos, oficinas e saraus, o idealizador da FestiPoa, Fernando Ramos, destaca um momento que deverá ser marcante: um grupo com quase 30 mulheres negras fará a leitura do primeiro capítulo de Um Defeito de Cor. A mãe da escritora, dona Hélia Gonçalves, é quem dirá as primeiras palavras escritas no livro. Sueli Carneiro e Benedita da Silva também farão parte.
— Ter a minha mãe, que é a minha leitora ideal, fazendo esta abertura é muito emocionante. Certamente, este encontro nos ajudará a nos distanciarmos um pouco deste momento tão difícil pelo qual estamos passando — reforça Ana Maria.
Tempo
A 13ª edição da FestiPoa Literária estava prevista para 2020. Porém, com a pandemia de covid-19, não houve tempo hábil para reformular o evento em menos de dois meses. Assim, o encontro, que até 2019 era presencial, encontrou na internet a solução para levar a literatura adiante. Para Fernando Ramos, mesmo com as adversidades, a expectativa é a melhor possível:
— No ano passado, ficou muito em cima, e decidimos não fazer. Mas, com o tempo, deu para ver outros encontros literários virtuais e, assim, percebemos que teria como realizar o nosso.
Ramos enfatiza que o festival deste ano é fruto de paciência e tempo para repensar, mas foi desafiador chegar neste cenário inédito, com todos os envolvidos reunidos através de câmeras.
— Tem um sabor interessante, de novidade, mas não sabemos ainda qual será o resultado. O retorno do público será o nosso termômetro — acredita.
A programação completa do evento pode ser acessada no site festipoaliteraria.com.br.