Por Éder da Silveira
Historiador, professor da UFCSPA
Alerta! O Brasil foi invadido pelos russos! Aos apressados, peço calma. Não se trata de guerra ou de ameaça política, mas sim de uma graça literária. Nossos “invasores” são muito bem-vindos, estão há tempo entre nós e, tudo indica, seguirão sendo recebidos de braços abertos.
Nossos catálogos não mentem: praticamente todas as grandes editoras brasileiras publicam autores russos, sendo eles, muitas vezes, o carro chefe de suas coleções de literatura estrangeira. Mesmo acanhado, nosso mercado editorial comporta duas traduções, diretas do russo, daquele que é considerado por muitos como o maior romance de todos os tempos, Anna Kariênina (1877), de Liev Tolstói.
Como atestam os estudos de Bruno Barreto Gomide, especialista na recepção da literatura russa no Brasil, trata-se de um amor antigo. Desde o século 19 já podem ser percebidas as presenças de nomes como Dostoiévski e Tolstói em nosso meio literário. Para que tenhamos uma ideia do peso da literatura russa entre nós, a editora José Olympio publicou, entre as décadas de 1940 e 1960, as obras completas de Dostoiévski, sendo o autor de Crime e Castigo (1866) o primeiro estrangeiro a ser integralmente publicado no Brasil.
A febre russa só cresce entre nós nas últimas décadas. Para dar alguns exemplos, a Editora 34 tem uma coleção chama Leste, que já trouxe à lume diversos autores russos até então inéditos no Brasil. Temos ainda uma editora, Kalinka, dedicada exclusivamente à publicação de autores russos em português.
Em meio a esse ambiente literário russófilo, Irineu Franco Perpétuo já era um nome conhecido dos leitores. Antes do essencial Como Ler os Russos, recém-publicado, ele já nos brindara com traduções diretas de obras como Lasca, de Vladímir Zazúbrin (1895-1937), Vida e Destino e A Estrada, de Vassíli Grossman (1905-1964) e Os Dias dos Turbin, de Mikhail Bulgákov (1891-1940).
O que Perpétuo nos oferece, em Como Ler os Russos, é uma introdução a esse fascinante universo literário, desde as origens medievais da sua literatura até os autores do século 21, como a Prêmio Nobel Svetlana Aleksiévitch. O autor, para a alegria de seus leitores, ignora a provocação de Vladimir Nabokov, para quem, salvo uma obra de valor publicada no período medieval, toda a literatura russa foi criada em um século, o 19, com pequenos acréscimos aportados pelo século 20.
Ao se debruçar sobre as origens da língua russa e suas primeiras manifestações literárias, o autor discute a formação do Império Russo e suas relações, no mais das vezes tensas, com o Ocidente. A Rússia, ponte entre os mundos oriental e o ocidental, viveu ao longo da Dinastia dos Romanov uma troca cultural com o Ocidente, em especial representado pela França.
Mesmo que Perpétuo dedique atenção às origens da língua e da literatura russas, é inevitável que a parte mais substancial do livro seja dedicada aos séculos 19 e 20, período de criação daquilo que conhecemos propriamente como a literatura russa. O mergulho no século 19 nos convida a olhar para uma lista que parece inesgotável de obras e autores. Púchkin e Gógol são os marcos oitocentistas, com quem, inevitavelmente, Dostoiévski, Herzen, Tolstói, Turguêniev e Tchékov, entre outros, irão se ver.
É preciso destacar o equilíbrio buscado pelo autor ao tratar das relações entre a história e a literatura russas. Os movimentos políticos do século 20, por exemplo, são analisados de modo cuidadoso. Se, de um lado, Perpétuo não deixa de falar da censura e da perseguição aos literatos, em especial os que se opunham ao stalinismo, por outro destaca como a Revolução Russa implementa um importante processo de alfabetização, escolarização e formação de uma nação de leitores, com números superlativos de publicações, tiragens extraordinárias e grandes escritores.
Oxalá Como Ler os Russos seja o primeiro de uma leva de livros introdutórios às literaturas mundiais. Para a formação do público brasileiro, seria de uma importância incomensurável a publicação de obras como essa dedicadas às literaturas japonesa, chinesa, italiana, francesa...