Por Dirceu Alves Jr.
Jornalista, crítico de teatro, coautor de “Sérgio Mamberti – Senhor do Meu Tempo”
Sérgio Mamberti escreveu lindamente sua história de vida. E coube a mim escrever o livro sobre essa vida. Tarefa difícil se levarmos em conta que o artista não atravessou 82 anos na mansidão. Mamberti é tudo o que sempre quis ser – e paga caro por fincar pé nessas escolhas.
Começamos as entrevistas em 2018, e confesso que o conhecia pouco mais que o exigido pela minha função de crítico de teatro. Então, passei a me sentar no sofá de sua casa duas manhãs por semana, em papos que duravam mais de três horas e se arrastaram por quatro meses. Era explícito o seu desejo de um livro narrado em primeira pessoa. Mamberti, porém, custou a entender que não deveria me ditar, bastaria falar e responder o que fosse perguntado. Conversas detalhadas me levariam a entendê-lo e, assim, me apropriaria de sua voz.
Logo apareceu o menino de Santos (SP) que via o mundo circular pela cidade graças ao porto antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial. O ator, já em São Paulo, percebeu que, através dos personagens, poderia incorporar o discurso que desejasse transmitir ao público. Mamberti acredita que ajudou a abrir espaço para os gays na pele do faxineiro Veludo de Navalha na Carne (1967), fez do mordomo Eugênio um escudo contra a arrogância da vilã Odete Roitman em Vale Tudo (1988) e instigou o conhecimento nas crianças com o Castelo Rá-Tim-Bum (1994).
Às vezes, ele falava demais. Eu me entediava e, em seguida, acordava com uma surpresa. Ouvi as lembranças de Vivian, com quem foi casado de 1964 a 1980, desafiando as regras óbvias de um matrimônio. As experiências com drogas renderam viagens duvidosas, mas quem sou eu para questioná-lo nessas horas. Apareceram os bastidores, com declarações de admiração, fofocas e mágoas, envolvendo Raul Cortez, Regina Duarte e Paulo Autran. Descobri passagens da experiência nos governos de Lula e Dilma Rousseff e, como cidadão, compreendi melhor esse período.
Sentado no computador, entendi que, por Mamberti fugir da mansidão, tudo ficou mais fácil. Enquanto transcrevia essas memórias, vi publicado meu primeiro livro, Elias Andreato, a Máscara do Improvável, sobre outro grande ator, minha filha, a Estela, nasceu e o mundo se fechou por causa de uma pandemia que nos enche de tristeza. Mas revisando Sérgio Mamberti, Senhor do Meu Tempo antes de liberá-lo para a gráfica redescobri a necessidade de cultivar a esperança, como meu biografado faz até hoje. E me bateu uma sensação... Quando a Estela, que completa dois anos neste domingo, puder lê-lo, gostaria que entendesse que o mundo, mesmo em fases miseráveis, merece ser vivido e desafiado.