O que fazer quando as certezas sobre como seria o luto são atravessadas pela dor do inesperado? É possível continuar seguindo em frente após encarar a paralisia causada pela perda? Essas, entre outras questões, são colocadas por Chimamanda Ngozi Adichie em seu novo livro, Notas sobre o Luto (Companhia das Letras), lançado nesta sexta-feira (14). Nele, a autora nigeriana discorre sobre as sensações causadas pela morte inesperada do pai após o agravamento de uma doença nos rins.
Em um período difícil, em que um país inteiro segue enlutado, a identificação com a situação da autora não é distante: até agora são mais de 430 mil mortes por coronavírus, somente no Brasil. Assim como muitos brasileiros, Chimamanda também foi impedida de visitar seus familiares por conta da pandemia e, ao receber a notícia por videochamada, sente-a com a intensidade de uma dor física.
“Minha filha de quatro anos diz que eu a assustei. Ela se ajoelha no chão para demonstrar e sobe e desce no ar o punho cerrado, e por sua imitação posso ver como eu estava: inteiramente fora de mim, aos gritos, dando murros no chão. A notícia é como um desenraizamento cruel”, escreve.
A experiência pessoal da autora com o luto é cruzada pelas questões cotidianas, familiares, culturais e, além de tudo, pelas restrições causadas pela pandemia de covid-19. Chimamanda traça esse panorama íntimo ao abordar esses aspectos em tom confessional, como se estivesse contando a um amigo ou parente sobre sua situação.
Em seu relato, a autora confessa que não entende como a vida pode seguir normalmente enquanto sente que seu mundo interno está desmoronando. O desconhecimento dos outros frente a sua situação é como um soco no estômago.
“Sinto-me tomada por um estarrecimento incrédulo com o carteiro que continua passando, com as pessoas que continuam me convidando para dar palestras não sei onde, e com os alertas de notícias que surgem regularmente na tela do meu celular. Como é possível o mundo seguir adiante, inspirar e expirar de modo idêntico, enquanto dentro da minha alma tudo se desintegrou de forma permanente?”, questiona a autora na obra.
O vazio que fica, acima de tudo, transborda das páginas e toca o coração do leitor, que, identifique-se ou não com a situação, torna-se capaz de entender a brutalidade dessa perda. Por meio dos relatos das lembranças, descobrimos a relação de carinho deste pai com todos os seis filhos e a importância de seu papel em suas formações. Professor de Estatística na Universidade da Nigéria, em Nsukka, James Nwoye Adichie foi o responsável por contar histórias sobre seus ancestrais àquela que se tornaria a escritora reconhecida mundialmente por livros como Hibisco Roxo (2011), Americanah (2014) e Sejamos Todos Feministas (2015).
Muito além de um relato sobre a dor, Notas sobre o Luto é, também, uma homenagem à figura que tanto marcou a vida da autora.
"Não, eu não estou imaginando coisas. Sim, meu pai era mesmo maravilhoso", conclui Chimamanda no livro.
NOTAS SOBRE O LUTO
Chimamanda Ngozi Adichie
Companhia das Letras, 144 páginas, R$ 29,90