Por Jorge Barcellos
Doutor em Educação (UFRGS)
Doze livros, 3.214 páginas. Quatro reedições e oito livros novos. Esse é o balanço da minha produção de um ano de pandemia do coronavírus. Tenho 56 anos, sou historiador, pesquisador, mestre e doutor em Educação, mas me considero apenas um ensaísta. Desde os anos 1980 tive textos publicados em jornais como Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, Le Monde Diplomatique Brasil, Sul 21, Estado de Direito e Zero Hora. Portanto, minha produção não é de agora, mas de uma trajetória de quase 40 anos de pesquisa e reflexão. Grande parte nunca havia sido organizada. Até então.
Sou uma pessoa comum. Tenho família, como todo o mundo: Denise, minha esposa, Eduardo, meu filho, e mais um cachorro. Vou ao mercado (de máscara e escudo) e trabalho todo o dia. A pandemia é terrível para a maioria, inclusive para mim. O que fazer? Botar para fora a minha produção, pensei.
Foi o que fiz. Com a pandemia, você ganha duas horas diárias que gastaria no trânsito para ir ao trabalho. Aproveitei para publicar livros novos e republicar antigos. Reeditei Educação e Poder Legislativo, minha tese de doutorado orientada por Nalu Farenzena; O Tribunal de Contas e a Educação, sobre documento do TCE que provocou a ira dos professores municipais; A Impossibilidade do Real, sobre o pensamento de Jean Baudrillard, que teve mais de 39 mil downloads no site Overmundo, e O Olho de Deus, sobre reforma administrativa no serviço público.
O melhor foram os livros novos. Publiquei Saber e Moralidade, a primeira pesquisa inspirada na obra História da Sexualidade de Michel Foucault no Rio Grande do Sul, que foi orientada por Sandra Pesavento, e A Pedagogia de Eros, minha dissertação de mestrado sobre educação sexual na escola orientada por Marisa Faerman Eizirik. Fiz crítica à esquerda em A Corrosão do PT: o Nascimento do Antipetismo no RS e também à direita em O Êxtase Neoliberal: a História Recente Da direita no Brasil (2016-2020). Meu Tempos de Pandemia reuniu escritos do primeiro ano do coronavírus; A Incrível História do Programa de Governo que Encolheu analisa os programas de governo de Sebastião Melo e seus opositores no segundo turno das eleições de 2016 e 2020; O Paradigma Estético é uma investigação sobre a base estética das experiências sociais e Estados Unidos: das Origens ao Combate ao Coronavírus, uma prática de pesquisa nascida de uma ideia da obra anterior. E ainda tenho seis livros no prelo. Me aguarde.
Por que escrevo este artigo? Para incentivar outros autores a fazerem o mesmo. É que escrever no Brasil é padecer no paraíso. Há inúmeras editoras, mas escritores anônimos como eu têm dificuldades de serem publicados por elas. O processo é caro, não dá retorno financeiro, e obras de não ficção, como as minhas, têm como destino certo balaios de saldos. É que, tirando estudantes universitários, poucos se interessam. “Oi, acabo de publicar um livro que analisa a produção legislativa da Câmara Municipal entre 2001 e 2008 e que tem 700 páginas, quer ler?” Quando você termina a pergunta, seu destinatário desapareceu. Você tem uma certeza: não nasceu para ser Paulo Coelho, é mais alguém procurando um lugar no árido mercado editorial.
Na minha experiência, é possível sobreviver. Minha receita tem os seguintes ingredientes. O primeiro é a decisão pelo uso de plataformas digitais de autopublicação, que permitem que você edite seu próprio livro de graça. Espécie de paraíso do escritor anônimo que disponibilizam obras para públicos específicos, oferecem o domínio de todo o processo. Há muitas plataformas assim. Poderia ser mais barato: seus livros são vendidos na faixa de R$ 40 a R$ 60, o que, mais o transporte, salga o preço. Minha dica é fazer livros grandes, que compensam o preço e têm a vantagem de ser anunciados nos grandes sites de e-commerce. Quem se interessa, encomenda. São feitos um a um, sem estoque. A natureza agradece.
O segundo é a autoeditoração. Inventei o termo agora: você mesmo organiza a diagramação e a arte de sua obra. O melhor é sempre contratar o especialista, mas, fazer o quê, tudo é caro nesse meio, da revisão ao capista. Alerta: revise o máximo que puder, erros podem passar, paciência, aprende-se pela experiência e as plataformas permitem correção contínua. A receita para o miolo é: separe os capítulos no editor de textos e faça arte entre eles, e daí os renumere. Dá para fazer graça, até, como uma pequena foto com alguma história ou informação no final – aprendi com os livros da Boitempo. Para capa, contracapa e orelhas, use programas específicos, como o Canvas. O problema é a lombada, se você for publicar fora de uma plataforma. Aí não tem jeito: tem de usar calculadores virtuais.
O quarto ingrediente são as exigências editorais. Todo livro precisa de ficha catalográfica e ISBN. Há quem assuma esse serviço, mas, no site da Câmara Brasileira do Livro, também é possível fazer sozinho.
O quinto é a publicação. Com a pandemia, não tem sessão de autógrafos. Aí você pode imprimir só o seu exemplar na plataforma. Se quiser mais, digamos uns 20 a preço módico para família e amigos, há gráficas sob demanda. Você vira mascate de sua própria obra.
O sexto e último é a divulgação. As plataformas o fazem, mas é bom reforçar nas redes sociais e em grupos específicos. Ou em um site pessoal, como também faço. Divulgar é o pior do processo, porque exige continuidade, e a postagem é artesanal.
Existe um ingrediente secreto que vale em tempos de pandemia: você precisa escrever sempre. Todo o dia. Vai que um dia haja outra quarentena e você consiga organizar o que acumulou, como eu. Já tenho 12 livros nesse processo. Aliás, foi uma das poucas coisas da pandemia que me fizeram bem. Se eu, com família, trabalho, esposa e um cachorro, idas ao supermercado, cuidados com a pandemia e deveres de casa, pude editá-los todos, você também pode.