Por Luana Dalzotto de Castro Alves
Jornalista
O cenário atual pede um olhar mais acolhedor para a diversidade que constitui os seres humanos. Mais do que nunca é preciso dar espaço para vozes silenciadas pelo preconceito, que clamam por escuta. Vozes que a sociedade insiste em calar e que buscam o seu lugar de fala, como diz a filósofa e escritora Djamila Ribeiro. A jornalista Lelei Teixeira, autora do recém-lançado livro E Fomos Ser Gauche na Vida, é uma dessas pessoas que poderiam ser invisíveis por fugir do padrão denominado “normal”. Mas sua coragem e lucidez, transcritas em artigos publicados ao longo da carreira, ensaiadas nos embates com o avô Juvenal e agora em livro, deram a ela oportunidade de construir pontes e estabelecer conexões relacionadas à inclusão e à acessibilidade.
Finalizado em plena pandemia, o livro é um relato inquieto, inspirador e carregado de emoção sobre o cotidiano dela e da irmã Marlene Teixeira, que morreu em abril de 2015. Relato sobre vidas cheias de sonhos, que abriram portas para outras vidas e gerações. Vidas que se transformaram em uma só, mas que sempre foram compartilhadas com “um bando e muitos outros”, como diz a canção De um Bando, de Bebeto Alves. “Não sabia bem como fazer. Comecei a buscar outras respostas na tentativa de desenhar outros desejos. Ou realizar o que já era latente”, escreve Lelei. E foi do que era latente que nasceu o blog Isso Não É Comum, publicado de abril de 2016 a agosto de 2020 no portal Sul21, e a escrita do livro, um dos tantos projetos das irmãs.
Assim como no blog, em E Fomos Ser Gauche na Vida Lelei escreve sobre as dificuldades e as estranhezas cotidianas, a maioria delas vindas do estranhamento provocado pelo nanismo. Para além das questões relacionadas à falta de acessibilidade, como tão bem ilustra a capa assinada pela artista visual Mariane Rotter, a publicação fala de medos e preconceitos sem disfarces. Um exemplo é o trecho que mostra decisão e medo ao encarar a primeira entrevista de emprego – “Decidi falar sobre a vaga com uma condição: não entraria sozinha na redação do jornal. A sensação era de que todos me olhariam com um ponto de interrogação no rosto e eu não suportaria”. Ou de tantas outras vezes em que sobrou preconceito e faltou acessibilidade. É a vida real revelada nas páginas do livro.
Na busca por inclusão, Lelei e Marlene apoiaram-se na arte, na psicanálise, nos estudos e no trabalho. Ainda na Faculdade de Letras, Marlene mergulhou na literatura. E foi no Movimento Modernista, dos anos 1920, que as “gurias”, como eram carinhosamente chamadas pelos amigos, encontraram o primeiro mantra de suas vidas: “Ver com olhos livres”. Para elas, que se sentiam completamente fora do padrão, ler o Manifesto Antropofágico escrito por Oswald de Andrade e publicado em 1928 foi revolucionário, “mais uma porta que se escancarava rumo à diversidade”.
Marlene se destacou no meio profissional como Lelei. Formada em Letras pela PUCRS, a professora estadual tomou gosto pela pesquisa, fez doutorado em Linguística, publicou inúmeros artigos, um livro e capítulos de livros. Ela também tinha prazer em abrir caminhos, tanto no campo profissional quanto no pessoal, ensinando sobre coragem, necessidade de escuta e sentido da vida. Assim, com muita garra, amor e conhecimento, elas enfrentaram a discriminação, ganharam o mundo, espalharam fantasias e fizeram florescer o lado humanitário porque “a vida que parecia tão dura às vezes, era também encantadora”.
Quem acompanha Lelei no cotidiano ou nas redes sociais sabe que a vida segue encantadora, apesar da dor, da saudade e dos tantos desafios individuais e coletivos. Defensora fiel da diversidade, ela não abre mão da luta. “Pensar, escrever e conversar sobre acessibilidade, inclusão, deficiência, preconceito e direitos humanos é uma forma de resistência e uma recusa aos clichês repetidos exaustivamente para justificar descaso e desconhecimento."