A visão de quem está dentro de uma operação como a Lava-Jato é sempre rica em detalhes, mas também acaba contaminada pelo ataque ou a defesa da causa. O livro Geopolítica da Intervenção – A Verdadeira História da Lava-Jato, do advogado Fernando Augusto Fernandes, é um exemplo disso.
Ex-advogado do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, Fernandes dispara para todos os lados, tendo como ponto central o que classifica como ilegalidades da força-tarefa e dos tribunais e um suposto conluio do governo norte-americano com integrantes da operação.
Quem gosta de temas jurídicos vai apreciar o livro. No entanto, o autor deixa a desejar com excesso de notas de rodapé (são 418) e centenas de citações de decisões judiciais e acontecimentos históricos. Não que isso não seja importante para entender o contexto ou a narrativa trazida pelo autor, mas torna a leitura cansativa. Quem não acompanhou a Lava-Jato fica com a sensação de que quase tudo foi ilegal e errado e que quase todos foram condenados injustamente. Não é bem assim.
Na visão do autor, que também defendeu o presidente do Instituto Lula Paulo Okamotto, a força-tarefa então liderada pelo procurador da República Deltan Dallagnol teve os norte-americanos, interessados na Petrobras, como idealizadores. Para Fernandes, o Judiciário brasileiro se articulou para que a Lava-Jato pudesse avançar. Cita que Sergio Moro não poderia concentrar todas as causas, afirmando que muitas delas fugiam de sua jurisdição. Também que os relatores da operação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) se mantiveram nos postos por sequência de ilegalidades. Mas, se de um lado o autor diz que juiz, desembargador e ministros foram escolhidos de maneira ilegal para as relatorias, de outro não detalha o fato de que os petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira também escolheram um desembargador para tentar soltar Lula em 2018 – o plantonista Rogerio Favreto, desembargador que foi filiado por quase duas décadas ao PT.
Além das críticas ao Judiciário, ao Ministério Público e à Polícia Federal, Fernandes ainda dispara contra a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade que classifica como omissa diante do que chama de ilegalidades da Lava-Jato. Os advogados chamados de delacionistas (que firmam acordos de delação premiada) também são alvos de críticas. Lembrando que Paulo Roberto Costa, que era defendido por Fernandes, trocou de advogado e passou a ser defendido por Beatriz Catta Preta, especialista em acordos de colaboração, mais tarde deixando o caso.
Quando Fernandes chama de “verdadeira história da Lava-Jato”, ele nada mais quer do que aguçar a curiosidade das pessoas com algo que poderia revelar uma novidade. Mas nada mais é do que a verdade na visão do autor. Há outras verdades sobre a Lava-Jato.
A operação
Trago, ao final desta breve resenha, um balanço da operação, em Curitiba, para reflexão.
Deflagrada em 17 de março de 2014, a Lava-Jato começou no Paraná, sendo ampliada com equipes de policiais federais e membros do Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília, apesar de ter investigações pontuais em outros Estados, como no Rio Grande do Sul, por exemplo. De acordo com o site do MPF, em 3 de novembro, somente na primeira instância do Paraná, foram 130 denúncias, 178 ações penais, 172 condenados (incluindo 1ª instância e no TRF4 - corte responsável por julgar os recursos oriundos de Curitiba). Foram, ainda, 209 acordos de colaboração, 16 acordos de leniência (espécie de delação premiada de empresas), tudo isso em 77 fases da operação. Ainda conforme o MPF, o total previsto de recuperação decorrente de acordos de colaboração chega a R$ 1,5 bilhão.
Com a chegada de Augusto Aras ao comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), a tão criticada por Fernandes Lava-Jato corre o risco de terminar. A força-tarefa foi prorrogada somente até janeiro de 2021, mesmo tendo milhares de documentos pendentes de análise. Não se sabe se continuará nesse formato ou se procuradores da República e policiais federais deixarão a dedicação exclusiva e passarão a tratar os casos como apenas mais uma investigação criminal.