Sob a coordenação do procurador Deltan Dallagnol, a força-tarefa do Ministério Público Federal para a operação Lava-Jato, em Curitiba, nasceu em 2014 apurando crimes de lavagem de dinheiro e a ação de doleiros. A ofensiva começou a atingir o setor público quando, na sua segunda fase, prendeu o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. A partir disso, a Lava-Jato tomou o rumo do estrelato: conquistou amplo apoio popular, virou filme e seriado, recuperou altas cifras para os cofres públicos, prendeu algumas das pessoas mais poderosas do Brasil, desde empreiteiros milionários até políticos poderosos de vários partidos e líderes de massas, chegando ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os trabalhos da força-tarefa de Curitiba ajudaram a abrir outras frentes de apuração em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Foram desbaratados novos esquemas, atingindo sobretudo o MDB de Sergio Cabral, no Rio, e o PSDB, em São Paulo.
Após o auge, período em que foi considerada a maior ação anticorrupção da história do Brasil, a Lava-Jato ingressou em período de paulatino declínio, com a redução de alvos de impacto e contestações sobre a eventual parcialidade do juiz Sergio Moro.
Mais de seis anos depois, tendo acossado núcleos de poder e incomodado a elite política, enfrentado acusações de abuso de poder e de perseguição, Deltan deixa a força-tarefa de Curitiba, marcando o fim de uma era de atuação do MPF.
Veja linha do tempo da Lava-Jato
17 de março de 2014 - Primeira fase investigou os doleiros Alberto Youssef, Nelma Kodama, Carlos Habib Chater e Raul Srour. O nome Lava-Jato surgiu pelo uso de uma rede de postos de combustíveis e de lava a jato de veículos pelos investigados para movimentar recursos ilícitos.
20 de março de 2014 - Uma semana depois, a segunda fase prendia o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Em agosto daquele ano, ele faria acordo de delação premiada e começaria o desvelamento do esquema de corrupção na Petrobras entre agentes políticos e grandes empreiteiros do país.
14 de novembro de 2014 - A sétima fase da Lava-Jato, batizada Juízo Final, causou grande impacto. Mais de 20 empresários, proprietários e dirigentes de empreiteiras foram presos e levados para a carceragem da Polícia Federal de Curitiba. Nos meses seguintes, executivos e ex-dirigentes da Petrobras viriam a fechar acordos de delação.
15 de abril de 2015 - João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, é preso na 12ª fase da operação. Ele é apontado como recebedor de supostas vantagens ilícitas de contratos da Petrobras em nome do partido. Ao longo da operação, outras siglas foram atingidas, como PP e MDB.
19 de junho de 2015 - Presos Marcelo Odebrecht, da Odebrecht, e Otávio Marques de Azevedo, da Andrade Gutierrez. Essa foi a 14ª fase, chamada Erga Omnes. A posterior delação premiada de Odebrecht abriria caminho para a implicação de vários políticos que teriam recebido valores de supostas propinas da Odebrecht, até então maior empreiteira do país, cuja organização mantinha um “setor estruturado” para as operações ilícitas.
4 de março de 2016 - Dia que ficou marcado pela condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor em uma sala do aeroporto de Congonhas. A 24ª fase da Lava-Jato apurava crimes de corrupção e lavagem de dinheiro supostamente praticados a partir de pagamentos a José Carlos Bumlai, que ficou conhecido como o “amigo de Lula”.
16 de março de 2016 - Na véspera da cerimônia de posse de Lula como ministro da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff, Moro levantou o sigilo de interceptações telefônicas do ex-presidente. Nas conversas, constava uma daquele mesmo dia, em que Dilma diz que o “Bessias” estava levando o papel (termo de posse como ministro) para ser usado em “caso de necessidade”. O episódio gerou convulsão política, Lula acabou não assumindo o cargo e a crise se agravou.
31 de agosto de 2016 - O avanço da Lava-Jato e o desbaratamento da corrupção na Petrobras abalavam o prestígio do PT, que sofreu desgaste com enormes manifestações de rua. Neste dia, após finalização do processo de impeachment de Dilma Rousseff no Senado, Michel Temer tomava posse como presidente da República.
14 de setembro de 2016 - A força-tarefa de Curitiba faz entrevista coletiva para apresentar denúncia criminal contra Lula. Na ocasião, ficou famosa a tela de PowerPoint mostrada por Deltan, tendo a palavra “Lula” ao centro e 14 balões com flechas apontando para o nome do ex-presidente, imputando a ele expressões como “perpetuação criminosa no poder”, “mensalão”, “vértice comum” e “maior beneficiado”. O caso ganhou repercussão negativa.
19 de outubro de 2016 - A pedido da força-tarefa, Justiça autoriza prisão do ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ). Mais tarde, ele viria a ser condenado por Moro a 15 anos e quatro meses de prisão por lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
12 de julho de 2017 - Moro condena Lula a nove anos e meio de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do triplex do Guarujá.
7 de abril de 2018 - Após passar dois dias na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, Lula se entrega à Polícia Federal para iniciar o cumprimento da pena de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro relacionada ao caso do triplex.
6 de fevereiro de 2019 - Juíza substituta Gabriela Hardt condena Lula a 12 anos e 11 meses de prisão no caso do sítio de Atibaia.
1º de outubro de 2018 - A seis dias da eleição presidencial em primeiro turno, Moro retira o sigilo de parte da delação do ex-ministro petista Antonio Palloci, cujo conteúdo foi parcialmente invalidado em 2020.
1º de novembro de 2018 - Então juiz federal Sergio Moro aceita convite de Jair Bolsonaro, à época presidente eleito do Brasil, para ser ministro da Justiça e da Segurança Pública. O fato ampliou questionamentos sobre a suposta parcialidade de Moro.
9 de junho de 2019 - Site The Intercept Brasil começa a publicar série de reportagens conhecidas como Vaza-Jato. Conversas em aplicativo de mensagens indicaram que Moro e os procuradores da Lava-Jato, incluindo Deltan Dallagnol, dialogavam sobre estratégias e o andamento das investigações. Moro e Deltan sempre negaram irregularidades e destacaram o caráter “criminoso” usado por hackers para obter as mensagens, mas os fatos geraram forte crise e avaliações de que o judiciário e o MPF agiram em parceria, contaminando o julgamento e reduzindo as chances de defesa.
1º de setembro de 2020 - Após ter enfrentado diversas representações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), diante das quais conseguiu sair ileso de punições formais, Deltan anuncia seu afastamento da coordenação da Lava-Jato, em Curitiba, por questões pessoais. Episódio marca o fim de um era de aclamado combate à corrupção e de acusações de parcialidade.