![Geraldo Bubniak / Folhapress Geraldo Bubniak / Folhapress](http://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/25744590.jpg?w=700)
Integrante da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Roberson Pozzobon reagiu às declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, que classificou o trabalho dos procuradores como "caixa de segredos".
Nesta entrevista, concedida por e-mail, ele exalta o legado da operação, destaca o incômodo causado pela devassa a grupos de poder, defende a força-tarefa das acusações de atuar como poder paralelo e diz que ainda há investigações importantes a serem feitas em Curitiba.
A PGR se tornou uma opositora à Lava-Jato?
Desde 2014, quando foi deflagrada e recebeu o suporte da alta administração do MPF para o desenvolvimento de investigações complexas com exclusividade e estrutura adequada, a força-tarefa Lava-Jato vem incomodando muita gente.
Pessoas que estavam acostumadas com a impunidade, em que pese os graves crimes que praticavam, passaram a ver a Lava-Jato como grande ameaça. Da forma fisiologista como algumas delas viam o trato da coisa pública, acabar com a Lava-Jato e com o que ela representa seria conveniente para os seus interesses. Nós, por outro lado, membros do Ministério Público em primeiro lugar, entendemos que é fundamental manter as estruturas de forças-tarefas que estão funcionando bem, assim como para que sejam assegurados os direitos básicos de seus integrantes, notadamente a liberdade de atuar com independência funcional e os direitos de não serem forçadamente removidos, censurados ou punidos por exercer seus ofícios e livremente expressar seus pensamentos.
Especificamente em relação ao PGR atual, o terceiro a comandar o MPF desde o início da operação, não consigo acreditar que ele seja um opositor da Lava-Jato. Isso seria um absurdo, afinal de contas estamos na mesma instituição, pautados pelos mesmos valores, direitos e obrigações constitucionais. No entanto, o trabalho das forças-tarefas é alvo de inverdades propaladas por aqueles que torcem pelo fim da operação, e isso pode resultar na formação de juízos de valor equivocados. Acredito que para prevenir e dissipar eventuais juízos de valor equivocados, é importante que possamos contar com um canal de interlocução mais próximo da PGR. Esse é nosso desejo: aprimorar essa interlocução.
Para a força-tarefa, compartilhar os dados com a PGR é um problema?
Desde o seu início, a força-tarefa vem compartilhando dezenas de provas com a PGR, com Ministérios Públicos Estaduais, com Ministérios Públicos de outros países, com a Polícia Federal, com Polícias Civis Estaduais, com o Tribunal de Contas da União e também Tribunais de Contas dos Estados, com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), com o BACEN, com a Controladoria-Geral da União, com a Receita Federal e outros órgãos públicos.
O compartilhamento de um conjunto de provas determinado para uma investigação ou processo específico nunca foi um problema para a Lava-Jato, muito pelo contrário. Inclusive recebemos feedbacks de autoridades que receberam as provas compartilhadas agradecendo pela colaboração. Ocorre que os pedidos de compartilhamento devem preencher alguns requisitos, como objeto específico ou indicação das provas e procedimentos cujo compartilhamento é solicitado. Jamais qualquer órgão público buscou compartilhamento ou acesso indiscriminado, sem indicar o objeto ou a razão para o acesso. Por isso, o que é inusitado e, no entender das forças-tarefas, não preenche os requisitos legais, é o compartilhamento sem ordem judicial de toda a base de dados de mais de seis anos de operação, boa parte da qual obtida mediante o respeito à reserva de jurisdição.
São provas que dependeram da intermediação do Judiciário para que fossem obtidas e acessadas, sendo que muitas ainda estão sob alto sigilo por instruírem investigações em curso.
Sobre a declaração de Aras, de que a força-tarefa de Curitiba teria mais terabytes do que todo o MPF, a afirmação é procedente? O que justifica?
O acervo de documentos que foram obtidos a partir do trabalho de centenas de agentes públicos, no curso de milhares de processos e procedimentos de investigação conduzidos pelo MPF e PF, com a supervisão e autorização do Poder Judiciário, é realmente muito grande e reflete a dimensão e extensão dos trabalhos desenvolvidos na Lava-Jato.
Estamos falando de evidências físicas e eletrônicas como espelhamentos de computadores, celulares e servidores de centenas de investigados ao longo de mais de seis anos e em mais de 70 fases da operação. No conjunto de provas, estão laudos periciais, relatórios de análise, depoimentos de testemunhas e colaboradores, muitos dos quais em arquivos audiovisuais eletrônicos, documentos apreendidos, caixas de e-mails, arquivos guardados por investigados em nuvens, dados bancários, telefônicos, sistemas de controles de propina que foram criados por algumas empreiteiras, documentação de contas e empresas no Brasil e no Exterior, e por aí vai. Penso que a comparação realizada entre o volume da base de dados da Lava-Jato com o volume do sistema interno processual do MPF, chamado Único, é indevida, pois são realidades completamente distintas.
O Único apenas reflete a tramitação de processos internos do MPF e não as bases de dados das investigações conduzidas por todos os seus membros. Assim como na Lava-Jato, muitas provas colhidas por colegas do MPF em todo Brasil não estão no sistema do MPF, mas nos sistemas da Polícia Federal, em mídias acauteladas na secretaria de Varas Federais e nos sistemas processuais eletrônicos das cinco regiões da Justiça Federal.
O STF dá sinais de que voltou a se dividir quanto à Lava-Jato. Isso traz insegurança para o futuro da operação?
Em julho, na condição de presidente do STF, o ministro Toffoli decidiu uma série de questões no plantão, fazendo-o em regime de urgência. Algumas dessas decisões refletiram na Lava-Jato como, por exemplo, a decisão que trancou duas investigações em face do atual senador José Serra, a decisão que determinou o arquivamento de inquéritos instaurados a partir de colaborações premiadas de réus, a decisão que determinou o repasse universal ao PGR Augusto Aras de todas as bases das três forças-tarefas, no Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo.
É natural que tais decisões, tomadas em regime de urgência, sejam reapreciadas mais detidamente pelos ministros-relatores, competentes para analisar o caso junto ao Supremo. Em análise mais detida, fora do plantão, o ministro Fachin simplesmente avaliou que não havia fundamentos legais e constitucionais que justificassem a imposição às três forças-tarefa Lava-Jato do repasse integral de suas bases de dados à PGR e assim decidiu, revogando a decisão tomada em regime de urgência pelo ministro Toffoli.
Na avaliação da força-tarefa, há desejo de desmantelar a Lava-Jato e atacar a imagem de alguns de seus símbolos, como Deltan e Moro?
O sonho de muitos dos investigados é que a operação acabe logo, antes de eles serem responsabilizados pelos crimes que cometeram. Se esse sonho será tornado realidade ou não, muito dependerá da cúpula do MPF, que poderá decidir por manter ou não as estruturas das forças-tarefas que estão com uma série de trabalhos em curso e em franco desenvolvimento.
Lógico que este trabalho poderá ser estruturado de forma diferente, mas o importante é que a administração superior do MPF encontre solução compatível com o grau de maturidade que se atingiu no combate à criminalidade de colarinho branco. Também dependerá de decisões da cúpula do Poder Judiciário, especificamente do STF, que poderá decidir por manter ou não centenas de decisões já tomadas por juízes de primeiro grau, por Tribunais Regionais Federais e pelo próprio STJ.
Há avaliações de que Deltan e Moro estão sob ataque para que a imagem da Lava-Jato seja desgastada. O que estaria por trás dessa tentativa?
Por ser o coordenador da força-tarefa no Paraná desde 2014, Deltan é alvo de muitos ataques covardes, mentirosos e injustos, visto que ele sempre exerceu as suas funções com correção. Querem derrubar a Lava-Jato e miram em Deltan, pois assim acreditam que poderão macular a operação. Penso que é por acreditar muito na Lava-Jato, no Ministério Público, na causa anticorrupção, que Deltan segue firme em seu trabalho, mesmo diante de tantos ataques descabidos, inclusive recusando concorrer a promoções para que possa terminar os trabalhos que começou.
Há uma crítica de que após seis anos de trabalho, a força-tarefa diminuiu o ritmo das operações, tendo como alvo executivos de menor importância, de segundo ou terceiro escalão. Para esses críticos, a continuidade da força-tarefa se configura como a manutenção de um poder paralelo dentro do MPF. Como justificar a necessidade de manter a força-tarefa? Há trabalho relevante por fazer?
Esse discurso de poder paralelo é muito descolado da realidade. Antes de qualquer coisa, a força-tarefa é Ministério Público. Foi justamente por ter sido estruturada no Ministério Público, órgão de Estado e não de governo, com garantias constitucionais como independência e inamovibilidade, que as atividades não foram interrompidas até hoje.
Seria uma grande perda para a sociedade interromper o curso das operações Lava-Jato hoje, haja vista que há relevantes trabalhos em andamento que precisam ser finalizados. São investigações de grandes e poderosas organizações criminosas que estão em curso, algumas já em estágio avançado. Há negociações em andamento de acordos de colaboração e de leniência que revelarão uma porção de novos crimes e, sendo concluídas, irão possibilitar a devolução vários outros bilhões para os cofres públicos, processos e ações penais complexas em curso que ainda estão em estágio inicial, dezenas de cooperações internacionais em andamento, entre outros.
O ano de 2019 foi o que a Lava-Jato em Curitiba propôs o maior número de ações e viabilizou, por meio da celebração de uma série de acordos, a maior devolução de valores desviados de sua história. Se deixarem a Lava-Jato permanecer trabalhando em 2020, não será diferente. Novamente, ninguém quer se perpetuar na força-tarefa, ou quer que esta se eternize. Esta poderá ganhar roupagem diferente, adaptações e aperfeiçoamentos que sempre se fazem necessários até que tenha cumprido o seu papel. O desafio da administração superior é preservar as conquistas feitas e testadas por meio das forças-tarefas, que se revelaram e ainda hoje se mostram bastante efetivas no enfrentamento desse tipo de macrocriminalidade.