Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, desta quinta-feira (1º), o desenhista Mauricio de Sousa relembrou o colega Quino, que faleceu na quarta-feira (30), aos 88 anos. A personagem Mafalda, coincidentemente, foi criada pelo argentino no mesmo ano em que o brasileiro criou sua Mônica: 1963.
— O Quino, pra mim, é um amigão, é um irmão. Andei ao lado dele, com suas charges fantásticas, com mensagens maravilhosas. A Mafalda marcou época e rodou o mundo com mensagens muito adequadas sobre a situação mundial.
Em homenagem ao cartunista argentino, Mauricio produziu uma tira (acima) em que Mônica e Mafalda estão sentadas em um banco ao lado de um globo terrestre - e ambas choram pela morte de Quino. O brasileiro recorda com carinho dos momentos que viveu ao lado do colega:
— Fui visitá-lo, estive na Argentina. Ele não estava com a saúde muito boa naquele tempo. Fui lá dar uma levantada de ânimo nele. Depois, ele visitou o nosso estúdio. Ele estava curioso para saber como lidávamos com o merchandising. Ele estava muito interessado. Fez o périplo, visitou a empresa inteira — disse, rindo. — Queria saber tudo. Queria saber como fazíamos nosso trabalho junto ao público, ao consumidor. E ficamos grandes amigos.
Mauricio diz que admirava o texto do colega argentino, que considerava muito "maduro e assertivo".
— Com poucas palavras, ele conseguia fazer um discurso social, político. Eu admirava muito o Quino nessa área. De certa forma, eu admirava mais o Quino como chargista do que como escritor de quadrinhos — disse o brasileiro. — O Quino tinha um humor corrosivo, inteligente, mas não destrutivo. Ele botava o dedo na ferida, mas passava confiança, esperança, na mensagem dele. Ele era facilmente entendível.
Crítica política
Apesar de admirar as críticas sociais que o colega fazia em suas obras, Mauricio diz que a Turma da Mônica tem uma proposta diferente da de Mafalda.
— Eu tive que escolher um caminho, né. Um caminho que eu pudesse continuar seguindo. Porque nós, cartunistas, que temos a comunicação em nossas mãos, se derivarmos para uma crítica mais ferrenha, saímos um pouquinho da linha que a gente esteve durante muitos anos. Então, acho que é meio perigoso a gente se alterar por causa de sensação de desconforto social, melhor ficarmos no que está mantido durante muito tempo e não tem problema.
Apesar da cautela, Mauricio diz que se segura muitas vezes para não fazer críticas ao governo:
— Nós estamos num país que de vez em quando esquece um pouco, vamos dizer, das posições democráticas. Espero que estejamos longe disso, mas efetivamente eu tenho que ter cuidado com o estúdio, com os meus funcionários, com os meus leitores, também, que estão acostumados com tipo de mensagem suavizada. E eu prefiro fazer história em quadrinhos divertida, alegre, como entretenimento. Mas que dá vontade, dá. Às vezes, dá vontade de desenhar em uma parede.
Ele recorda que, durante a ditadura, suas tiras eram inspecionadas pelo governo.
— Durante a ditadura militar, quando eu planejava os desenhos animados da Turma da Mônica, criações infantis, eu tinha que ir a Brasília mostrar o rascunho, o esboço, o texto.
Trajetória
Hoje, 61 anos depois de lançar suas primeiras tiras com os personagens Bidu e Franjinha, a Turma da Mônica tem 400 pessoas envolvidas em sua operação. Todos os desenhos, antes de serem lançados, passam por Marina Sousa, filha de Mauricio. Sua outra filha, Mônica, é diretora comercial da empresa.
Sobre o segredo do sucesso de suas criações, Mauricio destaca a inspiração no modelo norte-americano de marketing.
— Acho que eu caminhei, briguei, lutei, dei murro em ponto de faca, mas eu não desisti. De qualquer maneira, eu me baseei no modelo norte-americano de produção, distribuição e marketing. E aprendi tudo isso, não só lendo gibi, mas na redação da Folha (de São Paulo), onde eu trabalhava. Meus colegas recebiam, do sindicato dos americanos, todo o material de como divulgar, distribuir, que eu pedia para eles me entregarem. Quando fiz minhas primeiras historinhas, saí para distribuir as tirinhas em mais de um jornal. Em quatro anos, eu estava em mais de 400 jornais.
Ouça entrevista com Mauricio de Sousa ao Timeline: