Em contagem regressiva para a primeira tiragem de seu novo livro, A Vida Mentirosa dos Adultos, Elena Ferrante revelou que escrever não é uma terapia para ela. Pelo contrário: é como uma necessidade dolorosa, mas que traz satisfação quando termina.
— Nunca considerei escrever uma forma de terapia. A escrita, para mim, é algo totalmente diferente: é girar a faca na ferida, algo que pode causar muita dor. Escrevo como aquelas pessoas que viajam de avião o tempo todo por necessidade, mas têm medo de não sobreviver, sofrem durante todo o voo e, quando aterrissam, ficam felizes mesmo estando reduzidas a um fiapo — disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Entretanto, a autora classificou o ato de escrever a respeito da adolescência como apaixonante. Mesmo que, para ela, esta tenha sido uma fase parada.
— Acho que um pedacinho da adolescência aflora em todos os livros, a despeito do que é narrado, justamente porque aquela é uma fase de trovões, raios, tempestades e naufrágios. Você é quase menina, é quase adulta, o corpo por um tempo eterno não se decide a abandonar uma forma e assumir outra. O próprio idioma parece não ter o módulo certo para você, em dado momento você fala como uma menina, em outro se expressa como uma mulher feita e, em ambos os casos, sente vergonha — afirmou.
— Quando escrevemos, a adolescência é inesgotavelmente mutável. Todos os fragmentos podem encontrar sua posição e, de repente, merecer a dignidade de um significado dentro da história. Quando você escreve, aquele tempo parado e asfixiante, observado a partir da margem da vida adulta, começa a fluir, se compõe e se recompõe, encontra os seus motivos — acrescentou.
O novo livro narra a história dos conflitos da adolescência de Giovanna. Questionada sobre o que a inspirou a escrever a história, e se ela achava que os adultos têm o hábito de mentir a respeito da própria vida, respondeu:
— Quando criança, eu era uma mentirosa e muitas vezes era punida pelas minhas mentiras. Por volta dos 14 anos, depois de muitas humilhações, decidi crescer e não mentir mais. Mas descobri aos poucos que, enquanto minhas mentiras infantis eram exercícios de imaginação, os adultos, tão contrários às mentiras, mentiam para si mesmos e para os outros com naturalidade, como se a mentira fosse o instrumento fundamental para dar coerência e sentido a si mesmos, para suportar o confronto com o próximo, para se mostrar como um modelo confiável para os filhos. Alguma coisa dessa impressão adolescente alimentou a história de Giovanna.
A Vida Mentirosa dos Adultos deve ser disponibilizado mundialmente na terça-feira (1). A exceção é para a Itália, país natal da autora e onde o livro foi lançado ainda no ano passado. No Brasil, a editora responsável pelo lançamento é a Intrínseca, que disponibilizou um trecho do livro. Leia a seguir:
“Dois anos antes de sair de casa, meu pai disse à minha mãe que eu era muito feia. A frase foi proferida entre sussurros, no apartamento que os dois, recém-casados, haviam comprado em Rione Alto, no início da Via San Giacomo dei Capri. Tudo ― as ruas de Nápoles, a luz azul de um fevereiro muito frio, aquelas palavras ― permanece inalterado.
Mas eu escapei, ainda estou escapando, através destas linhas cuja intenção é delinear a minha história, mesmo que na verdade eu não seja nada, nada que me pertença, nada que tenha começado de verdade ou sido levado a cabo: apenas um nó cego, e que ninguém, nem mesmo a pessoa que neste momento escreve, saiba dizer se esse nó contém o fio certo para guiar uma história ou se não passa de uma confusão embolada de sofrimentos, sem redenção.”