Termina neste domingo, para os espectadores americanos, a expectativa em torno da estreia da série A Amiga Genial, adaptação da primeira parte da Tetralogia Napolitana, da escritora italiana Elena Ferrante. (No Brasil, a estreia está prevista para o próximo domingo, dia 25, na HBO.)
Beneficiando-se da combinação de boas críticas, propaganda boca a boca e uma pitada de mistério (a pessoa por trás do pseudônimo Elena Ferrante permanece desconhecida), a tetralogia já vendeu mais de 10 milhões de cópias, em 40 países, tornando-se um raro caso de grande literatura que caiu no gosto popular, atraindo diferentes tipos de devotos – do rato de biblioteca ao leitor de fim de semana. Rodada em Nápoles, com um elenco formado em grande parte por atores não profissionais, e falada em italiano, a série com oito episódios deve estabelecer um novo patamar de popularidade para a obra da escritora italiana. Quem ainda não leu costuma se perguntar: o que é que a Ferrante tem?
Nenhum livro de autor pouco conhecido vende tanto sem tocar em temas que encontram algum tipo de ressonância no espírito da época. Nesse sentido, tanto faz se estamos falando do sucesso de literatura barata (no sentido estilístico) como 50 Tons de Cinza ou de um livro bem escrito e formalmente ambicioso como A Amiga Genial: as duas séries vieram a público na hora em que o público precisava delas.
Tornou-se lugar-comum dizer que poucos livros abordaram de forma tão profunda e envolvente a amizade feminina quanto a Tetralogia Napolitana e que esse seria o principal motivo do sucesso da história. Sim, tem isso, mas tem mais. O romance realmente capta um aspecto pouco explorado da amizade entre mulheres, principalmente uma amizade que começa na infância como a de Lila e Lenu, protagonistas da história: a força da dupla. A entidade formada por duas melhores amigas é algo muito maior do que as partes isoladas - como a maior parte das meninas sabe por experiência própria. As signatárias desse pacto de apoio mútuo e troca de informações sentem-se mais fortes para enfrentar o mundo - inclusive quando o mundo fica no lado oposto àquele indicado pela família. Um relacionamento desse tipo não exclui a competição e o conflito, mas acima de tudo é intenso e apaixonado. Poucas pessoas irão nos influenciar de forma tão definitiva quanto esse primeiro grande amor fora do núcleo familiar.
Mas Elena Ferrante vai além. A Amiga Genial fala de amigas íntimas e de rivais, mas também de mães e filhas, de irmãos, de vizinhos de bairro, de grandes paixões, de política e da forma como essa rede de relações se cruza e se articula moldando pessoas e destinos. As duas protagonistas da história são meninas nascidas nos anos 1940, em um bairro pobre e violento de Nápoles, que não se satisfazem com o papel que lhes foi designado pela origem social, pelo gênero e pela tradição – encontrando apoio e contraponto uma na outra.
A educação desempenha um papel central na construção de uma nova identidade capaz de enfrentar os limites impostos pelas circunstâncias. O romance, dessa forma, coloca em primeiro plano o poder transformador do conhecimento. Venha ele dos livros e da escola ou das pessoas que nos apaixonam – e desafiam.