A morte de Rui Paulo Diniz Gonçalves, aos 68 anos, deixou a classe literária de Porto Alegre em estado de choque. Dono da Livraria Palmarinca, uma das mais tradicionais de Porto Alegre, Rui fazia a limpeza das calhas no telhado no estabelecimento, na Rua Jerônimo Coelho, quando caiu do quarto andar, na noite deste domingo (16). O corpo foi localizado pela Brigada Militar no poço de luz do prédio ao lado, onde funciona um restaurante.
O livreiro e jornalista fundou a Palmarinca em 1972. Inicialmente, o acervo era formado apenas com obras que seus pais mantinham em casa. Pouco a pouco, o local virou referência na compra de livros no centro de Porto Alegre, principalmente na área de ciências humanas. A história da livraria virou até um livro, lançado em 2018 pelo pesquisador e professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Cesar Beras.
Pessoas que conviviam com o livreiro tratam a morte como uma tragédia. O escritor Airton Ortiz contou que começou a frequentar a Palmarinca em 1975, quando se mudou para Porto Alegre para cursar Jornalismo. Ao longo dos anos, a relação não se limitou apenas a de dono e cliente, e os dois acabaram construindo uma grande amizade.
— Além de ser um livreiro daqueles que não existe mais, o Rui era um profissional altamente competente, uma pessoa extremamente carinhosa, de uma doçura na maneira de tratar outras pessoas — relembrou.
O escritor gaúcho também relatou que era comum ver Rui fazendo trabalhos manuais para manutenção da livraria.
— Ele vivia trocando as prateleiras, mudando as coisas de lugar, ele gostava de fazer essas coisas manuais. Não era um cara que subiu no telhado por curiosidade, ele tinha experiência nisso.
Toda a última quinta-feira do mês, Ortiz, Rui e outros amigos próximos, ligados à classe artística e política, faziam encontros à noite na churrascaria localizada ao lado da Palmarinca — justamente no local onde o corpo do livreiro caiu após despencar do telhado.
— É uma tragédia. O Rui tinha uma relação muito próxima com os clientes. Ele era conhecido por ser um livreiro à moda antiga porque conhecia a sua clientela, mas, do ponto de vista de administrar a loja, era super modernizado. Quando chegava um título novo, ele ligava para o cliente para avisar — lamentou Ortiz.
Presença certa na Feira do Livro
Não era difícil de achar Rui na Feira do Livro de Porto Alegre. Participante de mais de 40 edições das 65 do principal evento literário do sul do Brasil, ele gostava de ficar no mesmo lugar: o número da banca podia variar (em 2019, foi 65), mas o ponto da Palmarinca sempre estava no eixo da Rua Sete de Setembro, mais próximo ao Memorial do Rio Grande do Sul e do Santander Cultural.
— Na Feira do Livro, a localização das bancas são definidas por sorteio. Mesmo, quando ele não era sorteado para aquele local, os outros livreiros deixavam o lugar para ele — contou Airton Ortiz, rindo.
Outra cliente que virou amiga de Rui é Cíntia Moscovich. A escritora lembrou do último momento em que teve contado com o livreiro.
— Pude beijar e abraçar ele na última Feira do Livro. Sempre na feira eu batia ponto na banca dele, sempre — disse, com pesar.
E continuou:
— O Rui era aqueles livreiros da moda antiga, que conhecia todo o acervo, conhecia os títulos, recomendava livro de acordo com o que o freguês queria. Isso é uma perda enorme, porque era um livreiro que tinha uma cultura geral super ampla e conhecia o material de maneira muito completa.
Durante o regime militar, sua livraria levantou a bandeira da militância, tornando-se um palco de debates políticos e sociais em Porto Alegre.
— Ele tinha livros que repensavam a sociedade brasileira. Era só lá que tu encontrava isso — finalizou o escritor Airton Ortiz.
Queda é investigada
O filho do livreiro, Alexandre Assumpção Diniz Gonçalves, estava ajudando o pai na limpeza das calhas no momento da queda. Ele relatou à Brigada Militar que Rui Gonçalves pisou em falso no telhado, vindo a cair. A perícia esteve no local após o incidente. O caso foi registrado como acidente de trabalho. As investigações da morte ficarão a cargo da 1ª Delegacia de Polícia.
À GaúchaZH, Alexandre disse que a família está em choque e não tem condições de se manifestar no momento. O velório de Rui começa a partir das 8h desta terça-feira (18) na capela 7 do Cemitério João XXIII (Av. Natal, 60 - Medianeira). O sepultamento ocorre no mesmo dia, às 14h.