No burburinho ruidoso dos corredores da Feira do Livro, a banca da Palmarinca era uma das mais difíceis de enxergar à distância. Era também uma das mais acolhedoras quando o leitor se via, algo surpreso, diante dela. Não era um estande igual aos que nos acostumamos a ver na Praça da Alfândega, estilo casinhola com uma plataforma articulada em que se empilham e se ajustam os livros. Ao contrário, a banca da Palmarinca, a casa do Rui Diniz Gonçalves, morto no domingo (16), era um pequeno galpão em "U", com os livros dispostos em estantes em três lados e possibilidade de circular olhando o estoque com calma.
– Prefiro assim. No outro modelo a própria banca te separa do leitor. Aqui fica uma coisa mais próxima do que é na livraria, a gente conversa de modo mais próximo com o leitor – contou o Rui a este repórter em alguma das inumeráveis vezes em que conversamos no decorrer da Feira.
O autor deste texto era um cliente da Palmarinca no centro de Porto Alegre, mas sempre associou Rui e sua figura gentil e tranquila à sua banca de formato único entre os expositores da praça. Assim como seu estande, que não se via de longe, já dissemos, Rui era um cara discreto, sentado ou em pé ao lado da banca, mas onipresente durante toda a Feira – na qual ele trabalhou por quase meio século.
Ao mesmo tempo, assim como o espaço ocupado pela Palmarinca na Praça da Alfândega, Rui era um indivíduo aberto e acolhedor. Era o tipo de livreiro cada vez mais raro, capaz de conversar com seus fregueses sobre os livros que vendia e oferecer preciosas sugestões (tenho quase certeza de não passam de 10 em toda a cidade). Mas não só isso.
Rui era também um cidadão literário, um livreiro que topava, sem maiores problemas, que um escritor que havia recém-lançado um livro sem distribuição fizesse uma sessão de autógrafos informal ao longo de uma tarde em seu estande. Rui também acolheu em muitas ocasiões em sua livraria obras independentes custeadas pelos próprios autores e que, por vezes, só podiam ser encontradas lá.
Rui também acolheu em muitas ocasiões na Palmarinca obras independentes custeadas pelos próprios autores e que, por vezes, só podiam ser encontradas lá.
Sem Rui perde-se uma certa certeza que, a bem da verdade, não temos motivos para nutrir: a de que algumas coisas sobrevivem por mais que as coisas se degradem ou compliquem. A Feira tem várias faces, várias histórias, cada leitor e frequentador a vê de modo diferente, dependendo do tipo de relação que desenvolve com a praça. Uma coisa que duas décadas acompanhando o evento me ensinaram é que unanimidades sobre o evento são, por isso mesmo, raras. Cada um experimenta sua própria Feira. Sei que a deste ano será mais triste, justamente porque Rui, uma das poucas unanimidades de um evento tão múltiplo, não estará lá para longas conversas e indicações valiosas.