Comecei a comprar livros na Palmarinca em 1976, quando ela funcionava numa sala de prédio meio obscuro, numa esquina da General Vitorino. Estava ingressando na universidade e um amigo me chamou a atenção que naquela livraria se vendiam livros em espanhol — naquele momento, o mercado editorial na língua castelhana levava muitos quilômetros de distância em relação ao mercado do português, além de o nosso caso ser vítima de uma reserva de mercado que bloqueia os livros de Portugal aqui e os do Brasil lá. Em espanhol, havia um trânsito aberto entre mexicanos, peruanos, argentinos, uruguaios e até mesmo espanhóis.
O nome da livraria já era uma senha, cosmopolita e de esquerda: misturava Palmares e Inca no nome. E o repertório de fato condizia com essa pegada supranacional. Sim, havia outras excelentes livrarias na cidade com livros em outras línguas: a Lima, a Kosmos, alguma coisa na Globo e na Sulina, por exemplo. Mas na Palmarinca era certo que íamos encontrar coisa nova e de interesse, para a história, as letras e as ciências sociais.
Para não ir longe, lembro de dois livros que lá, nesta sede, comprei. Um foi Dictionary of Marxist Thought, de Tom Bottomore (da prestigiosa Harvard University Press), que era uma boia segura para entrar nas águas conceituais daquele tempo, em que Marx ocupava o centro da conversa. Outro, em polo oposto, foi Os Quarenta Anos do Dr. Stummer, um ótimo romance de Roberto Velloso Eifler (em edição do autor), livro que o Rui resolveu prestigiar porque achava que era assim que a coisa deveria ser.
Nas outras sedes compareci alguma vez, mas nas Feiras do Livro era meu destino certo — para cumprimentá-lo e saber das novidades que interessam. Um livreiro que conhecia livros, essa figura cada vez mais rara entre nós. Numa cidade que praticamente não tem mais livrarias grandes e que depende de livreiros pequenos e valentes — como a Nanni Rios da Baleia, o Gustavo agora na Bamboletras, os guris da Taverna —, o Rui era uma referência maiúscula, com quase 50 anos de prateleiras cheias de coisa boa.