A procuradora-geral da República e chefe do Ministério Público, Raquel Dodge, entrou com pedido para que o Supremo Tribunal Federal (STF) impeça a censura a livros na Bienal do Rio. A solicitação, feita na manhã deste domingo (8), busca anular decisão de segunda instância, em vigor neste momento, que permite o recolhimento das obras. Cabe ao ministro Dias Toffoli analisar a demanda.
Dodge chama a ação da prefeitura do Rio de Janeiro, feita a pedido do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, que é pastor evangélico, de "censura genérica". Ela requisita urgência para permitir a circulação das obras porque a Bienal termina neste domingo.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou após o ministro do STF, Celso de Mello, afirmar que a censura à obra é amostra de que "trevas dominam o Estado". O magistrado, o mais experiente do Supremo, defendeu que a ação da prefeitura do Rio surgiu de "mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo e apologistas de uma sociedade distópica".
Para a procuradora-geral da República, o recolhimento das obras "fere frontalmente a igualdade, a liberdade de expressão artística e o direito à informação, que são valorizados intensamente pela Constituição de 1988, pelos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e, inclusive, por diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal".
A chefe do Ministério Público afirma que a decisão da prefeitura do Rio de Janeiro, refutada em primeiro grau no Tribunal de Justiça do Rio e depois chancelada, em segunda instância, pelo presidente da instituição, " discrimina frontalmente pessoas por sua orientação sexual e identidade de gênero".
Dodge ainda diz que não faz sentido usar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para justificar o recolhimento das histórias em quadrinhos.
"A Bienal do Livro representa claramente evento no qual os autores e autoras, leitores e leitoras, exercitam tais direitos, que não podem ser cerceados pela alegação genérica de que tratam de 'tema do homotransexualismo'. O Estatuto da Criança e do Adolescente não deve ser aqui invocado, uma vez que o tema em questão não é, per se, ofensivo a valores éticos, morais ou agressivos à pessoa ou à família", argumenta.
Entenda
O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, mandou, na quinta-feira (5), que fiscais da prefeitura recolhessem, da Bienal do Livro do Rio, uma história em quadrinhos da Marvel para "proteger os menores". Disse, ainda, que a obra deveria estar lacrada.
O alvo da censura é a HQ Vingadores - A Cruzada das Crianças, publicada em 2010. A saga mostra dezenas de super-heróis da Marvel, incluindo duas versões jovens dos Vingadores, Wiccano e Hulking, que são namorados. Em um dos trechos da obra, há uma ilustração dos dois se beijando, com roupas.
Não há, na obra, cena pornográfica ou explícita, o que é proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que permitiria o recolhimento. A decisão também contraria decisão de 2011 do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu como famílias uniões conjugais do mesmo sexo.
Na noite de sexta-feira, o Tribunal de Justiça carioca impediu que os livros fossem recolhidos. No entanto, na tarde do sábado, o presidente do Tribunal de Justiça suspendeu a medida e, em decisão imediata e provisória, permitiu a censura.
Segundo a decisão do desembargador, a Bienal do Livro oferece "atividades culturais voltadas para toda a família, razão pela qual impõe-se o necessário cuidado com as competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de quaisquer das formas de violência contra a criança e o adolescente, nos termos do Artigo 70-A do referido Estatuto da Criança e do Adolescente".