Atena Beauvoir é filósofa, educadora e escritora, autora de Contos Transantropológicos e Libertê: Poesia, Filosofia e Transantropologia e vai debater o existencialismo francês e a invisibilidade da literatura de autoria trans no Brasil, neste domingo às 16h30min, na Biblioteca do Clube do Comércio (Rua dos Andradas, 1.085, 3º andar), na programação da Feira do Livro de Porto Alegre. Confira abaixo a entrevista com a escritora:
Você percebe uma ascensão da representatividade de grupos antes sem acesso ao protagonismo literário, como a autoria feminina, negra e LGBT?
Acredito que sempre existiu representatividade na literatura, enquanto protagonismo. A diferença é que os maiores centros e focos de literatura serviram durante muito tempo a uma unidade existencial homem, branco, hétero, cisgênero e burguês. Essa unidade existencial podia escrever literatura com referências femininas, negras e LGBT, mas, ao mesmo tempo, não lia as tantas publicações de unidades existenciais diferentes das suas. Prova disso é a falta de pluralidade literária na Academia Brasileira de Letras, que, mesmo havendo escritoras mulheres negras, lésbicas e trans, privilegia a histórica escrita masculina, branca, hétera, cisgênera e burguesa.
Qual o maior obstáculo para tirar a literatura de autoria trans da invisibilidade? Você concorda que há um "teto de vidro" para as mulheres?
O maior obstáculo é a transfobia estrutural. E isso não é simples. A visão social naturalista é de que há uma origem de ser homem ou mulher na natureza, a visão pseudo científica do conceito inexistente de homem e mulher - a comunidade científica internacional nunca publicou um estudo a respeito - e a visão humanista de que ser homem e ser mulher é um fator inerente aos corpos. O fato de uma sociedade acreditar que só homens têm pênis e mulheres têm vagina, essa cisgeneridade, cria uma distância entre a leitura potencial de obras de autoria trans, principalmente no Brasil, um país ainda colônia de um machismo histórico que inferioriza o ser feminino, seja cisgênero ou transgênero. Nosso teto de vidro é não sermos quem sempre esteve no poder histórico da dita masculinidade.
A sua obra evoca a construção da existência e da identidade, sob a sua perspectiva de mulher trans e a partir de conceitos do existencialismo. Mesmo que mais evidente nas pessoas transexuais, não somo todos indivíduos em "construção"?
A grande diferença é que a sociedade cisgênera é como um morador que recebe uma casa já construída e somente a decora com cores e formas internas. A sociedade transgênera recebe a mesma casa e a derruba, desmorona os fundamentos arquitetônicos para poder ser quem realmente é. Muda seu nome, sua história, seu corpo, a ideia de si. Ou seja, temos uma transição de gênero, que, existencialmente falando, se aproxima de uma autonomia existencial de ser quem realmente você deseja ser: uma humanidade livre de qualquer preceito de sofrimento ou ausência existencial. E essa revolução literária e filosófica eu denomino de "transantropologia".