O romance como gênero literário foi o tema do encontro de dois destacados autores de língua espanhola na segunda-feira (22), no Salão de Atos da UFRGS, dentro da programação do Fronteiras do Pensamento. O espanhol Javier Cercas, 56 anos, conhecido por livros como Soldados de Salamina, e o chileno Alejandro Zambra, 43, autor de Bonsai, entre outros, realizaram palestras individuais e depois se sentaram para um debate mediado pelo professor Sergius Gonzaga, coordenador do Livro e Literatura da Secretaria da Cultura de Porto Alegre.
Cercas realizou uma palestra na qual examinou um "ponto cego" que caracteriza seus romances e os que ele mais admira. Significa dizer que o romance é a busca por uma resposta que, ao final, não existe. Não, pelo menos, de forma clara, taxativa. A resposta é sempre complexa, ambígua, irônica.
– O romance é o gênero das perguntas, e não das respostas – resumiu.
Um exemplo disso, prosseguiu o autor, é Soldados de Salamina, que investiga a motivação de um soldado para poupar a vida de Rafael Sanches Mazas, ideólogo da Falange, organização da base do ditador espanhol Francisco Franco, em um episódio do fim da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Ao final do romance, a reposta não é explicitada.
Mecanismo semelhante opera em Dom Quixote, de Cervantes, em que o protagonista pode ser visto como louco e lúcido ao mesmo tempo; em Moby Dick, de Melville, no qual a baleia representa o Mal e o Bem; e em O Processo, de Kafka, que não deixa claro se Joseph K. é culpado ou inocente. Segundo Cercas, o ponto cego – que aparece também em outros gêneros, como a peça Esperando Godot, de Beckett – é fundamental porque o romance só se realiza quando encontra os leitores, que atuam justamente nesse espaço para diferentes interpretações deixado pelos autores.
Debate abordou situação do brasil
Alejandro Zambra, na conferência intitulada De Romance, Nem Falar, examinou aparentes contradições da literatura a partir de citações de Clarice Lispector, cuja obra ele admira desde os tempos de faculdade, quando as leu em fotocópias – os livros no Chile, segundo Zambra, são caros.
"Digo o que tenho que dizer, sem literatura", "Não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura" e "Estou escrevendo com muita facilidade, e com muita fluência. É preciso desconfiar disso" foram as frases de Clarice que ilustraram a fala do escritor chileno como exemplos da condição paradoxal do processo de criação.
Zambra recordou que a biblioteca de sua casa, como a maioria dos lares de classe média no Chile, consistia de uma coleção de livros baratos distribuídos como brindes de uma revista, abarcando literatura espanhola, chilena e universal. Sua geração cresceu lendo os chilenos, mais especificamente os chilenos mortos, pois os demais estavam no exílio. Havia pouca noção de uma literatura latino-americana. Entre a poesia e o romance, Zambra refletiu sobre a busca por uma linguagem chilena:
– O grande tema secreto da literatura chilena é esse abismo entre o que se diz e o que se escreve.
Por fim, o autor expressou que prefere falar de "livros", pois, citando o uruguaio Mario Levrero, um romance atualmente é qualquer coisa que se coloque entre uma capa e uma contracapa.
Durante o debate, não poderia faltar uma pergunta do público sobre a situação política do Brasil. Cercas contextualizou a ascensão do nacional-populismo no cenário mundial e alertou para a sedução de líderes carismáticos que aparecem com soluções fáceis e desprezo pela democracia. Na mesma toada, Zambra disse não conseguir acreditar que um candidato que defenda a ditadura e fale contra as minorias sexuais possa ser o próximo presidente do Brasil, e desejou que dessa tristeza emerja, eventualmente, uma alegria.
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento, parceria cultural PUCRS e empresas parceiras CMPC Celulose Riograndense e Souto Correa. A parceria institucional é da Unicred. Universidade parceira: UFRGS. Promoção Grupo RBS.