Uma das vozes mais consistentes da nova geração das letras em espanhol, o chileno Alejandro Zambra é um autor interessado no lugar da literatura e no próprio impacto de um livro em seu leitor. Aos 43 anos, é internacionalmente reconhecido pela inventividade de seus romances e poemas.
Nesta segunda-feira (22), Zambra estará em Porto Alegre onde vai participar do Fronteiras do Pensamento ao lado do espanhol Javier Cercas.
Na seguinte entrevista, concedida por e-mail, o autor fala de sua visão da literatura, o quanto deve a uma ideia central de Jorge Luis Borges e da atual atmosfera política.
Seus livros costumam ter uma construção formal sofisticada e até experimental. É uma maneira de expor o leitor à natureza arbitrária da forma literária?
Em parte sim, mas me ocorre naturalmente. A princípio, senti-me ridículo ao adotar as convenções narrativas usuais. Senti como se estivesse mentindo. Eu estava mais interessado em mostrar o jogo, as cartas, brincar com a construção, recuperar a cumplicidade. Essa ideia de (Jorge Luis) Borges, de escrever como se estivéssemos escrevendo o resumo de um texto já escrito... Isso me pegou profundamente. Mas o jeito que eu escrevo também mudou. Cada livro é, aos meus olhos, muito diferente do anterior. Talvez para mim sejam mais diferentes uns dos outros do que para os leitores. Não sei.
Há alguns anos você declarou em uma entrevista que escrever é um hábito, não um propósito. Qual é a diferença entre os dois?
Sempre escrevi, desde muito jovem, devido à influência da minha avó materna. Não havia muito vínculo na minha família com literatura, livros, mas essa avó sempre nos dizia, e a meus primos, que tínhamos de escrever. Foi uma forma de jogo, de alívio, de busca. E se tornou um hábito, algo que sempre fiz, como jogar futebol ou tocar violão. E não sei se sou um bom escritor, mas posso garantir que sou melhor escritor do que jogador de futebol ou músico. O hábito se tornou um ofício, mas ainda é um hábito. Não escrevo para publicar livros. Eu poderia viver perfeitamente sem publicar livros, mas não sem escrever.
Muitos de seus personagens são figuras indistintas, com poucas descrições físicas, mesmo sem sobrenomes. Você pensa em seus personagens como ideias ou símbolos em romances que são como teses?
Tento vê-los. Eu os conheço bem: seus rostos, seus movimentos. Mas eu não digo tudo. Eu gosto de uma certa indeterminação. Eu gosto de pensar que os deixo mais ou menos livres ao narrá-los. Que eu não os castigo com a certeza de um único rosto.
Em uma entrevista de 2013 a um jornal literário brasileiro, você disse: “Em termos gerais me interesso pelo lugar que a literatura ocupa na sociedade, especialmente a literatura ‘literária’, que é guiada pelo desejo artístico, e não pelo mercado “. Como você vê esse lugar hoje, depois de alguns anos?
É um lugar marginal. A literatura acontece na escuridão, em comunidades valiosas, infelizmente semi-secretas. Não está claro que tipo de “conhecimento” a literatura produz, mas essa busca gera respiração; agitar, acompanhar, inundar. É um lugar deslocado e essencial.
A recente ascensão política internacional da extrema direita, inclusive no Brasil, está ligada a um movimento de massas com uma clara postura anti-intelectual e que vê a arte e a cultura com uma perspectiva conservadora e às vezes moralista. Como você vê esse movimento agora e que efeito ele pode ter no futuro?
O que está acontecendo no Brasil é devastador, doloroso, triste. Não acredito. Espero que os brasileiros reajam e libertem o país do desastre que está prestes a acontecer. Vejo meus amigos brasileiros desesperados e acima de tudo tristes, envergonhados, incrédulos. O triunfo da extrema direita seria terrível e desastroso para o Brasil e todos sabem disso.