Que grande fim de semana para ser nerd no Rio Grande do Sul. Será realizada neste findi no Campus da Ulbra, em Canoas, a oitava edição da ComicCon RS, evento de quadrinhos e cultura pop que terá oficinas, debates, eventos e sessões de autógrafos com nomes ligados às HQs, à academia e à produção para a internet, como o comediante Daniel Furlan, do programa de sucesso no YouTube Choque de Cultura, ou artistas brasileiros que desenham para o mercado americano, como Felipe Watanabe, Rod Reis e JR Weingartner Jr. Os ingressos podem ser adquiridos no site comicconrs.wordpress.com/ingressos.
O grande destaque internacional é um dos responsáveis por dar uma cara a um tipo de gibi que não pretendia mais ser lido apenas por crianças. O ilustrador inglês Glenn Fabry começou sua carreira nos anos 1980, desenhando para a revista de ficção científica 2000 AD, por onde passaram nomes que mais tarde fariam parte da “invasão inglesa” renovadora dos quadrinhos, como Alan Moore, Dave Gibbons, Grant Morrison e Brian Bolland.
Fabry ganharia notoriedade mesmo como capista de títulos da linha Vertigo da DC, com tramas adultas sem medo de lançar mão de horror e violência. Sua arte pintada de extremo realismo deu, nas capas, o tom visual de obras cujas histórias ele não desenhava, como Hellbrazer, com o mago picareta Constantine, ou o sucesso cult Preacher, sobre um pastor desiludido que decide perseguir Deus e puni-lo por abandonar a humanidade. Fabry será entrevistado às 14h de sábado na ComicCon. No domingo, ministra uma masterclass às 14h e participa de um painel às 17h30min sobre os 25 do selo Vertigo.
Até recentemente, o senhor nunca havia estado no Brasil. Depois de ter visitado o país em convenções, quais são suas impressões?
Os fãs brasileiros são muito entusiasmados e carinhosos. Além disso, há alguns grandes trabalhos artísticos sendo realizados por aí. É excitante.
O senhor é um dos grandes capistas dos quadrinhos, mas também trabalha em páginas internas. O senhor aborda cada trabalho de maneira diferente?
Uma capa é uma ilustração, mas também precisa ser uma imagem emocionante ou ao menos interessante. Com os quadrinhos das páginas internas, a questão é narrar a história e desenvolver os personagens, e mais as relações deles com outros personagens. Tenho a tendência de dar a cada personagem suas próprias características individuais, expressões e maneirismos. A menos que seja só um pobre coitado que está ali para tomar um tiro, explodir em pedaços ou ser comido por um vampiro dois quadros adiante.
Como funcionava a colaboração entre o senhor, o roterista Garth Ennis e o artista principal Steve Dillon (1962–2016) durante os anos em que vocês produziram a série Preacher?
Eu, Garth e Steve nos tornamos amigos desde o início de nossas carreiras na (revista)
2000 AD, ao longo de nosso trabalho em Hellblazer para a Vertigo e, claro, na série Preacher. Quando eles tinham os roteiros prontos, eu os lia e discutíamos ideias. Havia também uma série de dramas com os prazos, e às vezes eu tinha de desenhar um personagem que não havia sido inventado ainda na revista. E isso foi antes dos computadores, todos usávamos fax (era o Período Jurássico).
A propósito, Steve Dillon tinha um estilo muito diferente do seu. O senhor apreciava esse contraste entre a versão dele para os personagens e a sua?
Era apenas uma diferença de estilo. Steve produzia quatro a cinco páginas por dia, e eu geralmente tinha uma semana ou duas para cada pintura de capa. Eu conversava sobre o que estava fazendo com ele e com Garth, e depois com Stuart Moore e Axel Alonso (os editores). Eles viam desde a etapa dos esboços a lápis, e se todos estivessem de acordo, eu ia adiante.
Muitas das suas capas não são cenas estáticas, mas momentos que parecem remeter a uma história maior, às vezes macabra, às vezes engraçada.
É tudo questão de contar uma história. Todo o meu trabalho é basicamente uma ilustração, acho, além de eu gostar do que é macabro e engraçado. Muito da minha vida tem sido assim até agora.
Há uma crescente mobilização de grupos de leitores que demandam serem representados de modo menos estereotipado. Isso afeta seu trabalho, que lança mão do humor sarcástico e da violência?
Humor, sarcasmo e violência são um trio contínuo na experiência humana. E os quadrinhos não precisam ser estereotipados, essa é uma das coisas belas a respeito deles como mídia.
O que acha do atual momento dos quadrinhos no cinema, dominado pelas adaptações do gênero super-heróis?
Lá pelos anos 60, 70, 80 do século passado, quadrinhos eram considerados, em sua maioria, entretenimento escapista e descerebrado para crianças. Só quando algumas daquelas crianças cresceram lembrando o quanto gostavam daquelas histórias e conseguiram grandes empregos na TV e no cinema, que a atual onda de produções começou a ser feita de modo apropriado. Batman e Superman são personagens grandes desde os anos 1940, 1950, no cinema e na TV. Mas é com os efeitos especiais de hoje que você pode fazer qualquer coisa parecer real. E não só isso. Esses filmes e seriados de TV são muito bem escritos. Porque aquelas pessoas notaram que havia coisas bem escritas naqueles quadrinhos (como ainda há, é claro).
Qual a sua opinião sobre a adaptação de Preacher como série de TV?
Os atores são maravilhosos, os roteiros são ótimos, a produção é bem cuidada e Garth (Ennis, roteirista), tem poder de aprovação em tudo, então acho tudo realmente fantástico. Já se vinha falando sobre adaptar Preacher, de uma maneira ou outra, há pelos menos 20 anos. É ótimo que finalmente tenha acontecido. Só fico realmente triste por Steve (Dillon, desenhista regular da série, morto em 2016).
* Colaborou Évilin Campos