Figura célebre da arte de rua de Porto Alegre, o ator Feliciano Falcão, 68 anos, mais conhecido como "Homem do Gato", perde as contas de quantas vezes já performou o número em que tenta domar um gato imaginário que se esconde dentro do saco carregado por ele. É difícil achar alguém em Porto Alegre que nunca tenha sido impactado por uma apresentação do artista, que há mais de quatro décadas faz dos espaços públicos da cidade o seu palco. Porém, ao longo dos últimos dois meses, Feliciano não encontrou a plateia das ruas.
— Pensaram até que eu tinha morrido, recebi mensagens lamentando a minha morte. Foi uma situação engraçada, porque estou vivo (risos). Mas fiquei emocionado com o carinho — conta o artista.
O sumiço do Homem do Gato é explicado pela enchente histórica que atingiu o Rio Grande do Sul. Morador do bairro Mathias Velho, em Canoas, Feliciano teve sua residência totalmente inundada. Saiu de casa na madrugada de 4 de maio, levando consigo somente os cachorros Banzé e Guri. A água já batia no pescoço.
— A casa ficou submersa por mais de 20 dias. Quando voltei, estava tudo arrasado. Eu sonhava que algumas coisas poderiam ser aproveitadas, mas foi impossível — detalha Feliciano. — É difícil falar sobre isso, pois tudo ainda está muito vivo dentro de mim. Eu sou um humorista, sou um palhaço, mas também sou um ser humano. Estou feliz por estar a salvo, mas tem sido muito duro recomeçar — desabafa, em prantos.
Antes de ter sua vida posta de cabeça para baixo pela água da enchente, o artista celebrava a conclusão de seu mais recente projeto, o Circo do Homem do Gato — cuja lona, assim como o felino, é imaginária. Com recurso conquistado via Fundo de Apoio à Cultura (FAC), ele rodou o Estado, ao lado de outros artistas, apresentando um espetáculo de arte circense. Em paralelo às agendas do Circo do Homem do Gato, Feliciano continuava indo às ruas para apresentar seu número mais clássico.
O artista de rua diz que o projeto foi a realização de um sonho — que virou pesadelo após a enchente. Figurinos e todo o material adquirido com os recursos da lei de incentivo, como equipamentos de som, foram perdidos na inundação. O mesmo ocorreu com centenas de apitos usados no número do gato no saco. Os itens de fabricação artesanal, que reproduzem som de miado, costumavam ser vendidos ao fim das apresentações do artista. Os materiais da fabriqueta que ele mantinha em casa também foram devastados.
— Das minhas roupas e móveis pessoais aos meus materiais de trabalho, tudo o que eu tinha foi perdido na enchente. Não sobrou nada. O pouco que tenho agora foi conquistado por doações, ajudas e benefícios — diz.
Atualmente, o artista está vivendo em Tramandaí, no Litoral Norte, em residência alugada com recursos do Auxílio Reconstrução. Foi a alternativa que ele encontrou para se manter seguro até que seja possível retomar a vida e o trabalho na Região Metropolitana.
— Meu plano é, na segunda quinzena de julho, fazer a volta do Homem do Gato para Porto Alegre. Tem que ser um dia lindo, de sol, com ruas cheias e pessoas sorrindo. Certamente será um momento de muita emoção — planeja o artista, que já voltou a produzir os apitos. — O processo de confecção é lento, mas o primeiro deve ficar pronto em poucos dias — celebra.
Enquanto a volta das apresentações não se concretiza, Feliciano tem sobrevivido graças a doações em uma vaquinha virtual organizada por ele, por meio da qual arrecadou R$ 2,5 mil; quantias doadas diretamente em seu Pix (CPF: 373.975.327-72) e repasses da campanha organizada pelo grupo De Pernas pro Ar, da qual também foi beneficiário.
Ciente de que o processo de retomada será lento, o artista diz que espera continuar podendo contar com a solidariedade.
— Perdi tudo, mas a esperança e a alegria ficaram dentro do meu coração.