Um dos lançamentos mais aguardados pela comunidade cinéfila em 2024 era Furiosa: Uma Saga Mad Max. O prelúdio do elogiado e multipremiado Mad Max: Estrada da Fúria (2015) era visto como uma aposta certeira pelo estúdio, a Warner Bros. Assim, foram investidos em torno de US$ 168 milhões para a produção da continuação de George Miller, sem contar o marketing.
O resultado, entretanto, foi decepcionante. Apesar de fartos elogios por parte da crítica especializada, o longa-metragem teve uma péssima rodagem nos Estados Unidos e, somando a bilheteria mundial, não chegou aos US$ 170 milhões até o fechamento desta matéria. Ora, mas se ele conseguiu esta quantia com a venda de ingressos, superando o orçamento, como pode ter decepcionado?
Bem, na maioria das vezes, a arrecadação precisa ser o dobro do orçamento e do marketing somados, uma vez que cerca da metade do faturamento fica com os exibidores — ou seja, as salas de cinema — e a outra fatia é a que volta para os estúdios. Desta forma, o chamado ponto de equilíbrio de Furiosa precisaria ser de US$ 420 milhões, longe do que foi somado até agora. Além disso, é importante ressaltar que, apesar de aclamada, a franquia Mad Max nunca foi um fenômeno de bilheteria.
Furiosa, entretanto, tem companhia. Não foi a única aposta tida como segura que amargou um desempenho ruim nas salas escuras. Apenas neste ano, o rol de decepções inclui, entre outros, O Dublê, com Ryan Gosling, que custou US$ 150 milhões e faturou US$ 171 milhões; Argylle: O Superespião, com Henry Cavill, que teve um orçamento de US$ 200 milhões arrecadou US$ 96 milhões, e Madame Teia, personagem do universo de Homem-Aranha, que faturou US$ 100 milhões para um custo de US$ 80 milhões.
Se voltarmos um pouco mais na linha do tempo, encontraremos As Marvels e The Flash, ambos de 2023, consideradas frustrações enormes para a Marvel e a DC Comics, respectivamente. Percebe-se, assim, que a dificuldade de levar pessoas aos cinemas chegou até os filmes de super-heróis, que foram, recentemente, pilares de sucesso, mas que saturaram por conta da repetição da fórmula. Até mesmo Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte 1 (2023), que vinha na sequência de sucessos da franquia e surfando na popularidade de Tom Cruise, deu prejuízo.
Mas, afinal, o que explica esta má fase dos blockbusters no cinema? Um primeiro ponto importante é entender o que o público, de fato, quer assistir na telona após as mudanças de hábitos surgidas na pandemia. De acordo com a membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e cofundadora do portal Emerald Corp, Stephanie Espindola, o streaming, popularizado durante o período de quarentena, tem uma grande parcela de culpa. Os títulos estão chegando rapidamente às plataformas, bem diferente da realidade de tempos atrás, em que se esperavam meses até que o filme deixasse o cinema e fosse para locação, sem falar nos anos até chegar à TV aberta.
— Muitas pessoas gostariam de ver a um determinado filme, mas preferem esperar ele lançar no streaming para assistir. E com a janela cada vez menor para os lançamentos, a pessoa acaba optando por não ir ao cinema — explica Stephanie. — Também temos que levar em consideração a questão do orçamento desses filmes, que estão cada vez mais caros, o que demanda também que a bilheteria seja cada vez maior para que ele gere algum tipo de lucro.
E esta consideração sobre o custo cada vez mais alto é uma realidade. Entre os 15 filmes hollywoodianos mais caros da história, considerando a inflação, apenas um não foi lançado dos anos 2000 para cá: Titanic (1997), que custou US$ 200 milhões na época, mas, hoje, o seu orçamento estaria na casa dos US$ 389 milhões. No topo dos longas com maiores orçamentos está Star Wars: O Despertar da Força (2015), que precisou de US$ 447 milhões para ser produzido — atualmente, este valor equivaleria a US$ 593 milhões.
Programa caro
Por falar em custo, é importante ressaltar o alto valor que é para ir ao cinema atualmente. Para uma família de três pessoas — dois adultos e uma criança — ter a experiência em uma grande rede do setor, em um domingo, em Porto Alegre, por exemplo, vai pagar, apenas em ingressos, comprados pela internet, em média, R$ 98,81 (duas inteiras e uma meia). Se quiser completar a experiência com uma pipoca salgada grande e dois refrigerantes, o combo sai por R$ 64,50, em média. Ainda existem os gastos com transporte, que também encarecem o passeio.
— As pessoas, geralmente, têm pouco dinheiro para lazer. E o ingresso de cinema está cada vez mais caro. Uma família indo ao cinema ver um filme sai muito mais caro do que pagar um mês da Netflix, por exemplo. Isto considerando somente os ingressos — reflete Rodrigo de Oliveira, membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS) e editor da revista digital Almanaque21.
Desta forma, o crítico de cinema acredita que as pessoas, por questão de economia, optam por esperar um pouco mais por títulos menos interessantes para assistirem em casa. O investimento de tempo e dinheiro acaba sendo para longas que se tornam grandes eventos, como foi Barbie e Oppenheimer, no ano passado. Outro fator que pesa na decisão de ir ou não é o comportamento do público, segundo Oliveira:
— As pessoas estão, cada vez mais, soltas, digamos assim, nas salas de cinema. Conversam demais e alto, ficam com celular ligado, com aquela luz atrapalhando. Existe um desconforto do público que quer ir ao cinema ver um filme com pessoas que estão lá para qualquer outra coisa. Por isso, este incômodo faz com que a pessoa que vai pagar caro por um ingresso opte por não ir, em razão da experiência coletiva que, às vezes, se torna ruim.
Assim, o cinema de Hollywood enfrentou os primeiros cinco meses do ano com dificuldade, com rendimento 66% abaixo em comparação com o mesmo período de 2023, conforme informou o Deadline. Esta baixa procura pelas salas vem na esteira, também, da greve dos atores e dos roteiristas, que afetou a distribuição dos lançamentos. Ou seja, o cenário está complicado, mas longas como Divertida Mente 2 — já em cartaz e se aproximando do bilhão — e Deadpool & Wolverine, com estreia marcada para 25 de julho, são esperanças de um novo fôlego para o mercado, que vem procurando um norte no meio das transformações recentes, mas que, volta e meia, tropeça em seus próprios passos.