Existem atores que podem interpretar papéis absolutamente distintos, diametralmente opostos, e destacar-se nos dois trabalhos. Logo após dar vida a um de seus personagens mais emblemáticos na televisão, Tião Galinha, da versão original de Renascer (1993), um homem humilde, catador de caranguejos, que lutava para sair da miséria, Osmar Prado viveu o ditador mais cruel na história recente da humanidade na peça teatral Uma Rosa para Hitler. Foi premiado pelas duas atuações.
Mas tem algo nos personagens perversos que o intriga. Aos 76 anos e visto como um dos atores mais tarimbados da dramaturgia brasileira, ele se desafia novamente no papel de alguém capaz de sentir prazer ao provocar sofrimento em outro ser humano. Sua vítima será interpretada por Maurício Machado na peça O Veneno do Teatro, em cartaz no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, nesta sexta-feira (26) e no sábado (27), às 20h, e no domingo (28), às 18h (veja detalhes sobre ingressos abaixo).
Osmar Prado será Marquês, um nobre que convida um ator famoso chamado Gabriel de Beaumont para uma representação cênica em seu palácio. Contudo, passa a impor uma tortura psicológica à visita, a fim de arrancar uma atuação fora do convencional.
— Eu não escolho personagem, mas quando vem um personagem como Hitler, como o Marquês, é algo fascinante de fazer. Me fascina não pela psicopatia, mas pela oportunidade de discutir a psicopatia de todos nós. De um modo geral, nós somos psicopatas. Em uma sociedade cruel como a nossa, quando estamos à beira de uma Terceira Guerra Mundial, não há como ter uma mente tranquila. A sociedade é louca, basta ver a desigualdade que impera no mundo — diz.
O Veneno do Teatro é um texto escrito pelo dramaturgo espanhol Rodolf Sirera em 1978, três anos após o fim do regime do general Francisco Franco na Espanha, uma das mais longevas e sanguinárias ditaduras do século 20 (de 1939 a 1975). A história se passa na França neoclássica do século 18, em que as artes assumiam uma estética idealizada, harmoniosa, geométrica. Marquês, contudo, quer extrair de Beaumont uma interpretação mais visceral. Para chegar ao seu objetivo, não vê problema em levar o ator à beira da loucura, até mesmo da morte.
— Maurício Machado assistiu a uma montagem dessa peça na Argentina. Apaixonou-se e comprou os direitos da peça. Quando trouxe para o Brasil, ele e o diretor Eduardo Figueiredo pensaram em mim para o papel do Marquês. Eu não conhecia o Rodolf Sirera. Quando li o texto, não pude dizer não — conta.
Há quase 10 anos Osmar Prado não subia aos palcos. A última vez havia sido para uma interpretação absolutamente diferente, vivendo um personagem que cantava e dançava na comédia musical Barbaridade, em 2015. Mas é nos papéis densos que se sente mais à vontade. Inteirado do cenário sociopolítico do mundo — inclusive, preocupado com guerras e retornos de figuras autoritárias —, é do tipo que defende que a arte também chame para si a tarefa de sensibilizar o mundo para a iminência de calamidades.
— Como posso ter paz? Descarrego toda a minha energia no Marquês de O Veneno do Diabo. Precisamos discutir a insanidade do mundo em qualquer espaço possível, e o teatro é um deles. Ao final de nossa peça, somos aclamados, aplaudidos pelo público em pé. O Sirera não escreveu essa peça à toa, três anos depois de uma ditadura sanguinária.
Em seis décadas de carreira, Prado tem sido um homem de temperamento e posicionado, sem medo de desagradar e dizer não. Quando vivia o auge do sucesso com Tião Galinha, teve uma rixa com um executivo e pediu que o autor Benedito Ruy Barbosa matasse o personagem antes da hora para que ele pudesse deixar a novela e dedicar-se ao teatro.
— Medo a gente sempre tem, mas a coragem fala mais alto. Eu tenho um nível de consciência muito alto. Sou um D'Artagnan de origem, quer dizer, eu venho da pobreza, de família de classe média-baixa de São Paulo. Nunca tive medo de enfrentar o establishment. O sistema quer que você fique de joelhos, e eu não dobro as minhas pernas.
O Veneno do Teatro
- Nesta sexta (26) e no sábado (27), às 20h, e domingo (28), às 18h.
- Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n°), em Porto Alegre.
- Ingressos a partir de R$ 65 (galerias) à venda pelo site do teatro e na hora, no local.
- Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante e acompanhante.