Na década de 1980, logo no começo da epidemia de HIV/aids, Brenda Lee comprou um sobrado, em São Paulo, e, nele, instalou uma pensão para abrigar travestis em situação de vulnerabilidade. Muitas destas pessoas estavam infectadas pelo vírus que, naquela época, era praticamente uma sentença de morte. Este espaço de acolhimento ficou conhecido como o Palácio das Princesas, e a história de amor e luta se transformou em um musical que chega, agora, a Porto Alegre.
Destacado em categorias de importantes prêmios do setor, como o Bibi Ferreira, o da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) e o Shell, o espetáculo Brenda Lee e o Palácio das Princesas faz parte da programação da segunda fase do 30º Porto Alegre em Cena. Com sessões nesta terça (19) e quarta-feira (20), o musical será apresentado no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº - Centro Histórico), a partir das 20h.
A peça, que tem uma jornada recheada de temas importantes e que mostram como a sua personagem principal foi fundamental para a população das travestis de São Paulo — e do país —, conta com mais de duas horas de duração. Fernanda Maia, responsável pela dramaturgia e pelas letras do musical, explica o motivo da longa duração da montagem:
— Tem muita história para contar.
De fato, a vida da travesti Caetana, que mais tarde viria a ser conhecida como Brenda Lee, não pode ser resumida em pouco tempo — a síntese do primeiro parágrafo desta matéria, por exemplo, sequer chega perto de contar a jornada vivida por esta ativista. Nascida em Bodocó, em Pernambuco, em 1948, mudou-se para São Paulo, aos 14 anos, após sofrer violência doméstica de seus irmãos. No novo Estado, trabalhou com a prostituição até meados dos anos 1980, quando criou o Palácio das Princesas.
Responsável por dar um lar para quem estava destinado a viver com o preconceito, a violência e o abandono, Brenda Lee começou um movimento pioneiro no país. A instituição liderada por ela firmou convênios com a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e com o Hospital Emílio Ribas. Graças a um trabalho conjunto, essas entidades aprimoraram a forma de atender pacientes soropositivos, independentemente de gênero, sexo, orientação sexual e etnia.
A vida de Brenda Lee chegou ao fim em 28 de maio de 1996, quando, segundo Fernanda Maia, um namorado da militante, após ter dado um golpe financeiro na instituição e ser descoberto, atraiu-a para uma emboscada e a matou. O corpo da ativista foi encontrado no interior de uma Kombi estacionada em um terreno baldio. Porém, o seu legado foi além, tanto é que, em 2008, foi criado o Prêmio Brenda Lee, que contempla personalidades que se destacam na luta contra o HIV e prevenção da aids.
Segue viva
Para recontar a jornada de Brenda Lee, que, mesmo sendo referência na luta pelos direitos LGBTQIA+, não teve a sua vida devidamente documentada, Fernanda Maia precisou recorrer a depoimentos de pessoas que conviveram com a ativista. Além disso, fez um grande apanhado de materiais antigos encontrados dispersos pela internet, como entrevistas dadas por Brenda. Assim, foi formando uma base para que pudesse levar aos palcos uma história o mais próxima possível daquela vivida pela líder do Palácio das Princesas.
— No nosso país, em geral, a história das pessoas transvestigêneres é apagada. Então, foi um desafio coletar este material — ressalta Fernanda Maia. — A história da Brenda Lee, acho que não só não pode ser esquecida como tem que ser aprendida. Para isso, ela tem que ser levada a público. Quando você pensa em vultos históricos, geralmente são homens cisgêneros brancos. E a história é narrada, na maioria das vezes, pelo opressor. Acho que nós precisamos começar a contar a partir do ponto de vista do oprimido.
Dentro deste cenário, o espetáculo é estrelado por seis atrizes travestis (Verónica Valenttino, Olivia Lopes, Tyller Antunes, Andrea Rosa Sá, Elix e Leona Jhovs) e conta com apenas um ator cisgênero (Fabio Redkowicz), que representa, em um mesmo personagem, dois médicos que auxiliaram Brenda em sua luta — Jamal Suleiman e Paulo Roberto Teixeira. Este grupo, então, entrará em cena no musical que tem como foco fazer uma homenagem às antigas boates da noite paulistana que, nos anos 1980, foram um porto seguro da população transgênero e geraram oportunidades de trabalho para as travestis.
— A Brenda Lee é uma personagem real, mas as outras cinco travestis que moram na casa, o Palácio das Princesas, que foi chamado assim pela imprensa da época, como forma de deboche, mas adotado pela Brenda, foram imaginadas com características, de fato, de princesas de contos de fadas. Por exemplo, tem a Ariela Del Mare, que tem semelhanças com a Ariel, de A Pequena Sereia, que tem o sonho de fazer a transição de gênero, assim como a princesa fez, deixando de ser uma sereia e virando humana — explica Fernanda Maia.
Tudo isto é contado em forma de musical, com letras feitas pela própria dramaturga do espetáculo, que ainda tem direção musical de Rafa Mirando e direção de Zé Henrique de Paula. As canções se utilizam de ritmos brasileiros — como Brenda era nordestina, tem um pouco do ritmo de sua região, mas também uma pegada de instrumentos eletrônicos, mais urbana, para remeter a São Paulo, onde a trajetória da ativista se deu. É uma mistura dos dois.
O projeto foi idealizado pela companhia de criadores chamada Núcleo Experimental, sediada no bairro Barra Funda, em São Paulo, há 12 anos. O foco é desenvolver trabalhos com as minorias, abordando assuntos pertinentes a estes grupos e, nos últimos anos, trabalhando na criação de musicais brasileiros originais. Assim, Brenda Lee e o Palácio das Princesas integra a Trilogia para a Vida, que ainda conta com Lembro Todo Dia de Você e Codinome Daniel. Todas dando voz aos que precisam ser ouvidos e com histórias de luta pelo direito de viver.
Brenda Lee e o Palácio das Princesas
- Nesta terça (19) e quarta-feira (20), a partir das 20h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº - Centro Histórico).
- Ingressos a partir de R$ 15 (galerias).
- Ponto de venda com taxa: pela plataforma Guichê Web.
- Classificação: 16 anos
- Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante.