Baseado no livro que virou notícia nacional por ter sido censurado em uma escola do Rio Grande do Sul, o espetáculo O Avesso da Pele estreou em Porto Alegre na noite desta quarta-feira (20) diante de uma plateia que lotou o Salão de Atos da PUCRS. A peça costura temas duros, como racismo e violência policial, com amor, identidade negra e cultura periférica.
Encenada pelo Coletivo Ocutá, de São Paulo, a montagem leva quatro atores negros ao palco. Eles se revezam em diferentes papéis, sendo os principais o professor de literatura de escola pública Henrique e seu filho Pedro. É o jovem que conta a história do pai, um homem negro que refletia incessantemente sobre seu papel em uma sociedade que reserva às pessoas pretas uma série de estereótipos e, no fim, termina assassinado.
Parte da programação do Porto Alegre em Cena, o espetáculo também terá sessões na quinta (21) e na sexta-feira (22), ambas com ingressos esgotados.
Autor do livro, Jeferson Tenório, patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2020, era uma entre as cerca de 1,6 mil pessoas na plateia. Encerrada a apresentação, ele participou de um bate-papo com a diretora da montagem, Beatriz Barros, e os quatro atores, Alexandre Ammano, Bruno Rocha, Marcos Oli e Victor Salomão. Lembrou o fato de ter estudado na PUCRS e mencionou a lotação máxima do teatro no dia de estreia como uma resposta aos ataques que a obra vem sofrendo.
— Estou comovido por vários motivos. Fiz doutorado aqui na PUCRS e foi no início do doutorado que escrevi O Avesso da Pele. Fiquei feliz de ver que escolas trouxeram seus alunos para a estreia. Temos uma boa resposta.
Nascido no Rio e por muito tempo radicado em Porto Alegre, cidade onde se passa a história de O Avesso da Pele, Tenório contou que a figura do professor de literatura Henrique foi inspirada em sua própria experiência lecionando na rede pública de ensino.
— Foram mais de vinte anos de escola pública. Quis levar o leitor para dentro da sala de aula. E o que aconteceu hoje, aqui no espetáculo, foi isso. Os atores transformaram o teatro em uma grande sala de aula — disse o escritor, que atualmente vive em São Paulo.
Bruno Rocha contou que ele e os outros três atores já eram amigos antes da criação do espetáculo, elo conveniente para que encontrassem afeto durante a produção de uma peça que busca justamente mostrar o que há de humano em pessoas geralmente retratadas através de clichês.
— O livro atravessa cada um de nós individualmente. Muitas vezes, a sociedade vê o corpo preto só dentro do estereótipo da mazela, do sofrimento. E entender que a gente consegue se amar, se amparar, foi importante para o trabalho. O importante foi encontrar um lugar de trabalho no qual entendemos que nossos corpos são dignos de afeto.