Inspirado no premiado romance de Jeferson Tenório, o espetáculo O Avesso da Pele será apresentado pela primeira vez em Porto Alegre desta quarta (20) a sexta-feira (22), às 20h, no Salão de Atos da PUCRS (Av. Ipiranga, 6.681), com ingressos esgotados. A montagem integra a programação da segunda etapa do 30º Porto Alegre em Cena. Na estreia, a apresentação será seguida de um debate entre o escritor, a diretora da peça, Beatriz Barros, e os atores Alexandre Ammano, Bruno Rocha, Marcos Oli e Victor Salomão, integrantes do Coletivo Ocutá. A mediação será de Thiago Pirajira.
Assim como na narrativa literária criada por Tenório, o espetáculo tem a relação entre os personagens Henrique e Pedro, que são pai e filho, como seu fio condutor. Henrique é um professor da rede pública de ensino que acaba assassinado durante uma abordagem policial arbitrária, violenta e de fundo racista. Pedro, revoltado com os atravessamentos que marcam a morte de Henrique, mergulha em investigações subjetivas sobre a vida e a trajetória dele.
O filho assume a função de narrador da história do pai na tentativa de impedir que a memória dele também seja vítima letal do racismo, em movimento que traz reflexões sobre as diferentes formas de extermínio a que estão sujeitas as existências negras no Brasil. Foi justamente esta possibilidade reflexiva que despertou o interesse da equipe do espetáculo em adaptar O Avesso da Pele ao teatro em meados de 2020, antes mesmo de a obra vencer o Prêmio Jabuti de melhor romance, em 2021.
— A reconstrução de memória que é feita pelo livro, através de um filho que busca reconstruir a vida do seu pai assassinado, foi o que mais nos chamou atenção — explica Beatriz Barros, diretora da montagem. — É muito importante a possibilidade de refletir sobre a memória de grupos sociais que têm as suas narrativas roubadas por sistemas de violência como esse em que a gente vive. Para mim, a obra é magistral nesse sentido.
Desde a decisão de levar a história ao teatro, foram cerca de três anos de trabalho coletivo. A adaptação envolveu a direção, o elenco e o próprio Jeferson Tenório, que não participou ativamente do processo mas ajudou a elucidar dúvidas que foram se apresentando ao grupo. A montagem resultante disso é fiel ao eixo condutor da obra literária, personificado nas figuras de Henrique e Pedro, mas traz inserções cênicas criadas exclusivamente para o espetáculo.
O cenário principal, assim como ocorre no romance, é o apartamento de Henrique. Contudo, a ambientação não fica restrita a isso. Recursos de cenografia e iluminação ajudam a transportar a narrativa para outros locais, sem que o ambiente doméstico deixe de ser o berço da história contada. Não tinha como ser diferente, defende a diretora:
— O primeiro capítulo já traz o Pedro entrando no apartamento do Henrique, olhando para os objetos dele e falando que aqueles objetos vão ajudar a contar quem ele era. Como esse universo está presente desde a primeira página do livro e a gente passou três anos preparando e ensaiando essa peça dentro de um apartamento, a ambientação não tinha como ser outra. Dentro desse espaço, a gente vai mobilizando elementos para criar outras ambientações.
Em cena, o elenco se reveza nos principais papéis de O Avesso da Pele. Conforme a diretora, o recurso foi acionado para trazer diferentes perspectivas aos personagens. Também porque os atores, quatro homens negros, são intimamente tocados pela história de Henrique, ainda longe de se tornar um caso puramente ficcional no país.
A plateia certamente será tocada também. Tal qual a obra literária de Tenório, que leva o leitor à experiência de adentrar a pele dos personagens para aproximá-lo do debate sobre o racismo, o espetáculo espera despertar identificação no público. E para além das questões raciais, saltam da trama discussões sobre o papel das forças de segurança pública e a precarização do sistema educacional brasileiro.
Livro aborda temas "emergenciais"
Para a diretora, a urgência das pautas que compõem o universo criado por Jeferson Tenório ajudam a explicar o sucesso alcançado pelo livro e as cadeiras sempre lotadas nas sessões da peça, que estreou em março do ano passado, em São Paulo, com sucesso de público desde então.
— Começamos a trabalhar no espetáculo quando o romance tinha dois meses. Tem sido muito especial acompanhar a vida do livro e as conquistas do Jeferson através dele — diz Beatriz. — Quando a gente vê que o teatro segue lotado há um ano, é formidável, porque O Avesso da Pele traz temas que são emergenciais e nos quais estamos muito atrasados. Eu acredito na feitura teatral como um ato político. O teatro é um espaço de formação ética, estética e política, de convergência de pensamentos e de reflexões críticas.
Nesse sentido, a recepção que o espetáculo encontrou em Porto Alegre, com suas três sessões (uma delas extra) já esgotadas, soma forças ao movimento que reivindica a relevância da história de O Avesso da Pele. O livro está no centro de uma polêmica nacional desde que foi retirado de uma biblioteca escolar de Santa Cruz do Sul e, posteriormente, recolhido de escolas em outras regiões do Brasil. A justificativa foi a presença de trechos que retratam relações sexuais.
A inclusão da adaptação teatral de O Avesso da Pele na programação do 30º Porto Alegre em Cena antecede o momento vivido agora pelo livro, mas ajuda a trazer luz à pertinência e amplitude dos temas abordados pela obra. Para a diretora do espetáculo, a censura se baseia em algo que nem de longe pode ser definido como tema principal do romance:
— É evidente que o livro está sendo posto em um lugar de julgamento pré-concebido, vítima daquilo que ele próprio denuncia, que é o preconceito. Fico feliz que tenhamos a oportunidade de encontrar o Jeferson em Porto Alegre para ampliar esse debate. Agora é a hora de nos fortalecermos para defender essa narrativa, tanto como livro quanto como espetáculo.
"O Avesso da Pele"
- Desta quarta (20) a sexta-feira (22), às 20h, no Salão de Atos da PUCRS (Av. Ipiranga, 6.681), em Porto Alegre.
- Após a sessão desta quarta (20), haverá debate com Jeferson Tenório, a diretora do espetáculo, Beatriz Barros, e elenco, com mediação de Thiago Pirajira. A sessão desta quinta (21) conta com tradução em Libras e audiodescrição.
- Duração: 90 min. Classificação indicativa: 14 anos.
- Ingressos esgotados.