A capacidade de raciocínio do ser humano é suficiente para torná-lo realmente superior aos animais? Essa é a pergunta que o espetáculo Instinto, do coletivo Projeto Gompa, planta na mente dos espectadores. Uma das vencedoras do prêmio norueguês Ibsen Scope, a peça estreia como um dos destaques do 17º Festival Palco Giratório Sesc, que segue até o fim do mês. A montagem terá sessões nesta quinta (18) e sexta-feira (19), às 20h, no Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Av. Independência, 75), em Porto Alegre. Os ingressos custam R$ 40 (inteiro) e estão à venda pelo site.
Com dramaturgia de Giuliano Zanchi, o espetáculo é baseado em Brand e em alguns pontos de Quando Despertamos de Entre os Mortos, ambas do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906). Nesta adaptação, os atores Alexsander Vidaleti, Fabiane Severo, Liane Venturella e Nelson Diniz atuam como macacos enjaulados. Para isso, utilizam máscaras que cobrem a cabeça, confeccionadas especialmente para o espetáculo pelo artista plástico Victor Lopes. No palco, o elenco interage com uma estrutura metálica e alterna entre ator e primata sem características específicas.
— Não somos muito diferentes dos macacos, nossas jaulas é que são diferentes — aponta Liane.
O espetáculo extrai a essência de Brand enquanto líder religioso obcecado pelos seus ideais, destaca a diretora Camila Bauer. A montagem questiona até que ponto essas obsessões religiosas, políticas e de várias ordens podem ser perigosas e conduzir a extremismos, como os que já acontecem em diferentes lugares do mundo. Portanto, trata-se de uma metáfora do panorama político mundial.
Instinto se propõe a ser um espetáculo performático, com linguagem fragmentada, mesclando teatro, dança, música, vídeo e artes visuais. A narração e os diálogos curtos reforçam o questionamento da necessidade de liderança na história da espécie humana. O propósito é refletir sobre como os humanos e os animais precisam de líderes para se organizar.
Os macacos são um contraponto ao humano, explica Camila. Com base no instinto, os animais elegem seus líderes, visando à capacidade de sobrevivência e às qualidades necessárias para proteger o bando. O ser humano, por outro lado, costuma se basear em interesses pessoais, mesmo que isso signifique a destruição de seus semelhantes, conforme a diretora. Ou seja, os humanos perderam parte do instinto e se tornaram "profundamente racionais e egoístas".
Assim, a montagem joga luz sobre o limiar entre ser humano e primatas, interrogando, com humor e sarcasmo, os limites tênues da nossa própria humanidade. A produção traz à tona ainda o papel do líder frente à sociedade e até onde vamos em nome dos nossos ideais.
— A gente quer trazer um questionamento dos líderes que a gente escolhe e por que a gente os escolhe. Do quanto a gente delega para eles as nossas decisões ou do quanto a gente se deixa ser levado, às vezes, como uma espécie de massa silenciosa dentro desses processos de escolhas políticas e religiosas — complementa a diretora.
A ideia do espetáculo surgiu de uma união de desejos: de um lado, a vontade de Liane de criar um trabalho a partir do movimento do macaco, que trouxesse a noção da evolução humana; do outro, a ideia do grupo de montar Brand, trazendo esse questionamento do papel do líder. Tudo dentro de um processo colaborativo do coletivo.
— Desde o início da proposta de Instinto para o Ibsen Scope, sabíamos que fundir o contexto de Brand, de Ibsen, e nossa realidade enquanto seres humanos e primatas seria um grande desafio. E foi. Desejamos ao público o deleite de aproveitar a experiência e também se questionar o quanto a capacidade do nosso raciocínio nos tornou maiores, ou não, do que eles — ressalta Liane.
Duas vezes premiado
O prêmio norueguês Ibsen Scope é voltado a projetos, em diferentes lugares do mundo, criados a partir de textos de Henrik Ibsen. A ideia é incentivar que o autor seja montado, adaptado e recontextualizado, mantendo viva a alma de sua obra. Assim, os interessados apresentam um projeto e concorrem a um financiamento para executá-lo.
Cinquenta e quatro projetos de 30 países concorreram ao prêmio, sendo apenas cinco selecionados — entre eles, Instinto, o único da América Latina. A coordenadora do Ibsen Scope, Hilde Guri, estará na plateia durante a estreia da montagem em Porto Alegre. Ela descreve a peça como uma encenação política "com o dedo apontado para onde o sapato aperta".
Esta é a segunda vez que o Projeto Gompa é selecionado no edital internacional de montagem cênica. Em 2017, o espetáculo vencedor foi Inimigos na Casa de Bonecas, que foi apresentado no Teater Ibsen, em Skien, na Noruega, e em Porto Alegre. Para Camila, isso representa uma possibilidade de aprofundamento na obra do dramaturgo:
— Para mim, é um privilégio muito grande poder me debruçar sobre a obra dele e buscar o que nos interessa hoje enquanto artistas, dar uma continuidade a essa busca por uma linguagem e um modo de nos aproximar desse autor que é tão atual e tão relevante em tantos níveis.
No sábado (20), fragmentos da montagem serão encenados na programação da Noite dos Museus. Com entrada franca, essas performances vão ocorrer às 23h, na Cinemateca Capitólio (Rua Demétrio Ribeiro, 1.085 - Centro Histórico, Porto Alegre). A produção também estará em cartaz de 2 a 4 de junho, às 19h, no Teatro Oficina Olga Reverbel do Multipalco Eva Sopher (Praça Mal. Deodoro, s/nº - Centro Histórico, Porto Alegre).