Na mitologia grega, o astuto Sísifo enganou os deuses, driblando a morte, e por isso foi condenado a rolar uma pedra montanha acima diariamente, por toda a eternidade. Quando ele chegava ao topo, a rocha ficava tão pesada que rolava por todo o caminho de volta, obrigando-o a refazer tudo no dia seguinte. Tal história é usada como base para o monólogo Sísifo, que Gregorio Duvivier protagoniza e que será apresentado pela primeira vez na Capital nesta sexta-feira (2), a partir das 21h, no Salão de Atos da PUCRS, dentro da programação do Porto Alegre em Cena. O festival abre nesta quinta-feira (1º/12) a sua 29ª edição, que vai até 7 de dezembro e terá uma segunda etapa em março de 2023.
— A peça usa o mito para falar de questões contemporâneas, como a falta de sentido que atravessa a condição humana e que hoje em dia, tenho essa impressão, se tornou ainda mais vertiginosa com as redes sociais. A gente se vê o tempo todo preso em ciclos, sejam eles da timeline, que é uma espécie de ciclo repetitivo, mas também recentemente do confinamento da pandemia, em que todos os dias pareciam iguais — explica Duvivier em entrevista a GZH.
O espetáculo Sísifo conta com dramaturgia do próprio Duvivier e de Vinicius Calderoni — este também dirige a peça. E, durante os 60 minutos de duração, o protagonista interage com uma rampa, simulando a montanha na qual Sísifo sobe diariamente. Vestindo um abrigo de esporte, o ator repete o movimento do mito grego, mas sem rolar uma pedra — suas ferramentas são histórias, reflexões e piadas, que ele conta a cada vez que repete o trajeto.
Duvivier, que já é acostumado a falar sozinho e sem parar no seu humorístico/jornalístico Greg News, da HBO, em Sísifo mescla isso com esse esforço físico de subir e descer a rampa, segurando sozinho o espetáculo apenas com a sua voz e o seu corpo. É um exercício solitário mas, para o ator, recompensado por estar em uma ligação direta com o público:
— É desafiante. Eu perco o contato com os atores, que é uma coisa que eu gosto muito, e fica uma grande solidão no camarim, mas também tenho a chance de conversar com a plateia. E todo monólogo é um diálogo com o público. E para um monólogo funcionar, você precisa estar o tempo todo escutando o público, como se ele fosse um ator em cena.
Experiência
Para Duvivier, a experiência no teatro se destaca também por tirar as pessoas do celular por um espaço de tempo. Antes de sua apresentação, o ator pede para a plateia desligar os aparelhos, uma vez que a luz atrapalha quem está em volta, a própria pessoa e também o ator.
— O teatro é também um convite para você ficar uma hora offline. Parece nada, mas é muito se você parar para pensar quando é que você ficou uma hora desconectado. No dia a dia, é muito difícil a gente ficar uma hora sem olhar o celular. É uma experiência revolucionária botar mil pessoas para ficarem offline durante uma hora. Então, para mim, o teatro tem essa capacidade de tirar as pessoas da tela e jogá-las no presente — avalia o ator.
O artista ainda enfatiza que, hoje em dia, em shows, por exemplo, as pessoas estão filmando o tempo inteiro com o celular, algo que ele classifica como "insuportável". Segundo ele, todo mundo está sempre pensando em outro lugar ou em outro tempo, devido à hiperconexão. No cinema, a mesma coisa, devido à ausência de um ator presente, o que deixa as pessoas menos constrangidas de estarem com o smartphone em mãos o tempo inteiro. Para Duvivier, é "muito triste" que as pessoas percam a experiência em virtude de estarem sempre com o aparelho em mãos.
— Hoje em dia, cada um tem a sua própria experiência da realidade através da sua tela. Tenho a impressão que cada um assiste a uma narrativa de Brasil, personalizada pelo algoritmo. Em cada celular, existe uma realidade paralela diferente. Dá a impressão que a gente não vive no mesmo país — explica. — O teatro, então, faz com que as pessoas assistam a uma narrativa que é compartilhada por mil pessoas na plateia. De repente, você se vê rindo ao mesmo tempo que uma pessoa ao seu lado, alguém que você não conhece. E isso é revolucionário, porque você lembra que existe uma humanidade comum entre nós, apesar de todas as diferenças.
Teatro, presente e futuro
Duvivier, um artista que atua em diferentes formatos, seja na TV, no cinema ou na internet, relembra que foi no teatro que deu seu pontapé inicial — o seu primeiro espetáculo foi Z.É. - Zenas Emprovisadas, em 2003. E, para o ator, o palco é o lugar para onde sempre quer voltar. Segundo ele, é a sua "casa" e possibilita uma troca imediata com a plateia, que nenhum outro lugar onde atua permite.
— Se você está filmando, você pode errar, você volta. Não tem problema. O teatro é sagrado, é um espaço em que o palco é temerário no sentido de que ele inspira um temor, e isso é muito bom. Ele tem uma sacralidade, que para mim, que sou ateu, é muito bonita. É um lugar, para mim, feito a igreja para quem ora, que liga todo mundo que está lá. Então, eu sou realmente um devoto do teatro e estou sempre voltando a ele — enfatiza.
E um desses espaços sagrados para Duvivier fica justamente em Porto Alegre, que é o Theatro São Pedro, onde esteve duas vezes, na presença de Eva Sopher. Ele ainda aponta que é fã de Tangos & Tragédias, peça a que assistiu "quatro ou cinco vezes", e destaca que a Capital "é um polo cultural" do país, sendo resistência e vanguarda em "muitos aspectos", assim como o Porto Alegre em Cena, que ele classifica como "um sobrevivente, um guerreiro desse Brasil".
Engajado politicamente, Duvivier diz que agora vive um "alívio gigante" mas que nada está resolvido, mesmo que a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em sua visão, represente que a democracia vá se reerguer no país. Com a derrota de Jair Bolsonaro (PL), político que era assunto principal do Greg News, o artista se diz curioso para saber como vai seguir com o programa, mas imagina que será uma guinada positiva.
— Com o Lula, a gente vai fazer humor com um presidente que comete erros, e não crimes contra a humanidade. E é muito ruim fazer humor com isso. Então, eu acho que vai ser um programa que vai ter mais margem para o humor — conta, destacando que a temporada da atração chegou ao fim nesta semana e ele deve retornar apenas em 2023, mesmo ano em que pretende lançar um novo espetáculo. — Estou louco para falar coisas novas.
Sísifo
- Nesta sexta-feira (2), às 21h, no Salão de Atos da PUCRS (Av. Ipiranga, 6.681), em Porto Alegre.
- Ingressos a partir de R$ 30 (inteiro), à venda no site guicheweb.com.br.