A lista dos indicados ao Prêmio Açorianos de Teatro Adulto foi divulgada nesta quarta-feira (9) — com dois dias de atraso —, mas, pouco antes dela, quatro grupos de teatro receberam um e-mail da Coordenação de Artes Cênicas, da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMCEC), detalhando que as suas peças haviam sido desclassificadas. O motivo: a comissão julgadora não assistiu aos espetáculos e, por conta disso, não teria como eles concorrerem à distinção, considerada a mais importante do Estado.
No e-mail, a Coordenação de Artes Cênicas "se manifesta com pedido de desculpas aos integrantes do espetáculo que não foi assistido, e, portanto, não será avaliado. Por mais que houvesse um esforço dos membros do júri em cumprir a maratona, houve sobreposição de datas de poucos espetáculos concorrentes, de modo que a opção por um acabou eliminando da agenda outro espetáculo em cartaz. De todo modo, ficou acordado que, aos que queiram, automaticamente estarão concorrendo ao prêmio na próxima edição".
A mensagem gerou revolta nos responsáveis pelos quatro espetáculos que não puderam concorrer ao prêmio: Um Fascista no Divã; Sobrevivo: Antes Que o Baile Acabe; Sobrevida; e Fica, Vai Ter Bolo. Todos reclamando do descaso com suas respectivas produções, uma vez que é obrigatório que os jurados assistam a todas as obras.
Em conversa com GZH, Alexadre Dill, diretor do GrupoJogo, responsável por Um Fascista no Divã, apontou que tal situação não tem qualquer embasamento dentro do edital do prêmio, uma vez que os jurados — nesta edição, foram cinco — são obrigados a assistir a todos os espetáculos e ainda ganham um cachê. As quatro peças que ficaram de fora foram assistidas por, no máximo, dois membros da comissão julgadora. Além disso, o curto espaço de tempo para a apresentação das peças — de julho a outubro — foi definido pela própria Coordenação de Artes Cênicas. Geralmente, o edital abrange o ano inteiro.
— Um Fascista no Divã esteve em cartaz por seis dias, na Casa de Cultura Mario Quintana. Então, a questão de coincidir com outras peças acaba ficando um pouco difícil de se imaginar. E eles alegam para a gente que as datas coincidiram com outros espetáculos e que eles tiveram que optar por escolher qual o espetáculo assistir, só que sem critério nenhum — explica Dill. — A gente esteve em cartaz durante toda a semana e não tinha espetáculos em cartaz durante todos esses dias. Teria como assistir, com certeza. Somos profissionais, não estamos brincando de fazer teatro. Isso não é o nosso hobby, é a nossa profissão, é a nosso ganha pão.
O coordenador do GrupoJogo ainda aponta que a Coordenação de Artes Cênicas pede que os responsáveis pelos espetáculos avisem quais jurados ainda não assistiram à peça. E Dill afirma que fez tal alerta faltando "dois ou três dias" para o fim da temporada, via e-mail, mas ignorado. Apenas uma jurada compareceu.
— Outra informação que não cruza com o que a gente tem é que outras pessoas que estão indicadas ao prêmio também não tiveram jurados assistindo em sua totalidade ao espetáculo, ou seja, qual foi o critério para eliminar quatro espetáculos que não tinham sido assistidos por toda a comissão? — questiona Dill. — Não tem nenhuma cláusula no edital que diga que se um jurado não foi assistir ou dois jurados não foram assistir ao espetáculo, ele, automaticamente, não estaria concorrendo.
Tal indignação é compartilhada por Jaques Machado, diretor do espetáculo Sobrevida. Ele conta que a peça estreou no Porto Verão Alegre, no início de 2022, mas que não contou para o Açorianos, já que o edital foi lançado apenas em julho e não houve jurados nos meses anteriores. Assim, colocou a peça em uma nova temporada, em outubro, na Sala Álvaro Moreyra — inclusive, com ajuda da Coordenação de Artes Cênicas —, para poder participar da premiação. Porém, a comissão julgadora não apareceu nas quatro apresentações da peça.
— Eles (a Coordenação de Artes Cênicas) fizeram uma proposta da gente ficar automaticamente inscrito para o ano que vem, só que isso não é grande coisa. Todo mundo se inscreve todo ano. É uma coisa normal, só preencher um formulário. Não é nada demais — explica Machado, que considera ilegal o que houve com a sua peça e a dos colegas, por ir contra o previsto no edital.
Qex Bittencourt, diretora, dramaturga e produtora do espetáculo Fica, Vai Ter Bolo, que realizou quatro apresentações no Espaço GrupoJogo, reitera o que os colegas disseram, mas também reclama de todo o tempo e dinheiro depositados no espetáculo para que a comissão julgadora não fosse prestigiar a peça e, assim, deixando-a de fora de concorrer ao Prêmio Açorianos de Teatro. Ela alega que tal situação já ocorreu no passado, com outros espetáculos, mas que foi graças ao GrupoJogo, tradicional no meio, ter denunciado o descaso, que a denúncia tomou tal proporção.
— A gente queria ser visto pela nossa própria categoria e, por isso, a gente se inscreveu no Prêmio Açorianos. E foi uma correria horrorosa, com todo mundo buscando conseguir fazer no prazo para ter tudo direitinho, do jeito que o edital pedia — desabafa Qex, que apresentou a sua peça nas quatro vezes determinadas e não vê muitas alternativas. — Poderia ter a anulação do prêmio esse ano, o que é bem difícil fazer, porque são os nossos colegas que estão lá concorrendo. A gente participar da premiação de 2023, para mim, não faz nenhum sentido, porque teria que entrar em uma nova temporada. Ou, então, a gente fazer uma nova apresentação para os jurados este ano ainda, só que agora os indicados já foram divulgados, né? Como que vai mexer nisso?
Cofundadora da Espiralar Encruza, Maya Marqz, responsável pelo espetáculo Sobrevivo: Antes Que o Baile Acabe, aponta os problemas trazidos pelos colegas e complementa que a sua peça tinha um grande potencial, inclusive, sendo muito bem divulgada e gerando filas. Porém, acabou sendo vista por apenas uma jurada do Prêmio Açorianos, mesmo que eles tenham tido quatro oportunidades para assistirem em outubro, na Casa de Cultura Mario Quintana.
— A gente entende totalmente a responsabilização desses jurados pelo ocorrido. E entendemos que a Coordenação de Artes Cênicas tem esse dever de dar uma resposta para os artistas. Hoje, para a Espiralar Encruza, o ideal seria que essa premiação fosse adiada para que os grupos tivessem um pouco mais de tempo para organizar uma nova apresentação, nem que seja uma única de cada espetáculo, para que esses jurados assistam e a gente possa concorrer ainda este ano ao prêmio — explica Maya.
A resposta
O coordenador de Artes Cênicas da SMCEC, Jessé Oliveira, explica que, neste ano, por conta do prazo apertado — devido ao "retorno da pandemia" —, foram solicitadas apenas quatro apresentações de cada peça, ao invés das tradicionais oito, para "facilitar" o processo para os grupos de teatro. Ele apontou, porém, que a grande concentração de peças no mês de outubro foi um dos fatores que prejudicaram a presença dos jurados nos espetáculos, uma vez que eles também possuem outras atividades.
— A gente pedia para que essas quatro apresentações fossem em dias diferentes para que não sobrecarregasse demais a comissão julgadora, que não tem dedicação exclusiva e recebe um pequeno cachê, uma ajuda de custo, para cobrir seus gastos, mas a maioria tem também alguma outra atividade. Porém, que isso justifique. Infelizmente, aconteceu um problema com a comissão, que não é de funcionários da secretaria. Muito pelo contrário, a gente chama artistas consagrados na cidade e pede indicações para o Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado do Rio Grande do Sul) — diz, sem detalhar os problemas que os jurados tiveram, apenas apontando que todos têm uma "vida atribulada".
Segundo ele, para ser justo com todos os espetáculos, visto que os membros da comissão não assistiram a todos, foi observado que cada uma das peças foi vista por três jurados e, por isso, este foi o critério para que elas fossem escolhidas para disputar o Prêmio Açorianos — as quatro que foram vistas por dois avaliadores ou menos, foram, então, desclassificadas. Oliveira, porém, entende que os artistas envolvidos nas quatro produções foram prejudicados.
De acordo com o coordenador, uma reunião com os representantes dos quatro espetáculos foi pedida para esta quinta-feira (10), onde os artistas serão ouvidos pela Coordenação de Artes Cênicas e na sexta-feira (11), uma solução deve ser apresentada. Oliveira destacou que o prazo para recursos, previsto para terminar no próximo dia 14, deve ser estendido e, por conta disso, ainda não está batido o martelo sobre os indicados.